A Proposta de Emenda Constitucional nº 18/2025, conhecida como PEC da Segurança Pública, tem encontrado forte resistência no Congresso Nacional. O motivo não se resume a divergências partidárias ou disputas orçamentárias. O problema é mais profundo: a proposta expõe um conflito estrutural entre dois modelos opostos de segurança pública — o da defesa social, promovido pelo governo federal, e o da imposição da lei, defendido pela maioria dos governos estaduais.
A defesa social é um conceito que remonta ao pensamento penal europeu do século XX, associado a políticas preventivas, humanistas e voltadas à ressocialização. Na prática, esse modelo entende a criminalidade como reflexo de desigualdades estruturais e deficiências do Estado, defendendo a integração de políticas sociais e de segurança sob coordenação nacional.
É essa lógica que orienta a PEC 18/2025. O texto propõe ampliar a atuação da União sobre a segurança pública, estabelecendo diretrizes nacionais, mecanismos de coordenação e novos instrumentos de gestão centralizada de dados e recursos. A ideia é criar um “Sistema Nacional de Segurança Pública” com maior poder normativo e operacional em Brasília — o que, inevitavelmente, reduziria a autonomia dos estados.
Os governos estaduais, por outro lado, sustentam um modelo mais próximo do law enforcement — a imposição da lei. Inspirado na tradição anglo-saxônica, esse paradigma prioriza a aplicação da lei, a manutenção da ordem e o controle territorial, com foco na ação direta das polícias.
Para os estados, a proposta da PEC significa uma tentativa de centralizar o poder e limitar a capacidade de resposta local. Secretários de segurança argumentam que cada unidade federativa tem realidades muito distintas, e que políticas uniformes podem comprometer a eficácia das operações. Além disso, há o temor de que a União utilize o novo sistema para exercer controle político e orçamentário sobre as polícias estaduais.
A dificuldade de aprovação da PEC 18/2025 decorre dessa tensão entre centralização e autonomia. O governo federal defende um modelo unificado, baseado em princípios de integração e cooperação. Já os estados exigem respeito à estrutura federativa prevista na Constituição, que lhes garante responsabilidade direta sobre a segurança pública.
Essa disputa é alimentada por três fatores principais:
- Recursos – A redistribuição de verbas do Fundo Nacional de Segurança Pública daria à União maior poder de decisão sobre repasses.
- Controle político – Governadores temem interferências indevidas de Brasília sobre suas forças policiais.
- Diferenças doutrinárias – O paradigma da defesa social, com ênfase na prevenção, choca-se com a cultura operacional das polícias, moldada pela lógica da lei e da ordem.
A situação do Rio de Janeiro exemplifica de forma clara essas dificuldades. A cidade enfrenta uma crise persistente de violência urbana, com altos índices de homicídios, roubos e controle territorial por organizações criminosas. A coordenação entre o governo federal e o estadual para conter a criminalidade tem se mostrado limitada, evidenciando a tensão entre políticas centralizadoras e operações estaduais reativas. Programas federais de integração e inteligência muitas vezes não se conectam de forma eficaz às estratégias locais de policiamento, tornando a resposta à criminalidade fragmentada e menos eficiente.
A PEC 18/2025 representa, em essência, uma tentativa do governo federal de impor um modelo conceitual e administrativo de segurança pública. A intenção declarada é promover integração, mas o efeito prático seria subordinar os estados a um comando estratégico centralizado, reduzindo a autonomia operacional das polícias e a flexibilidade de adaptação regional.
A crise da segurança pública brasileira não será resolvida apenas por uma emenda constitucional. O que falta não é estrutura legal, mas coerência conceitual e coordenação real entre os níveis de governo.
Enquanto a União enxergar a segurança como um problema de coesão social e os estados a tratarem como questão de imposição da lei, o país continuará preso a um impasse institucional.
A superação desse dilema exige um pacto federativo de cooperação, e não um decreto de submissão. Sem esse equilíbrio entre defesa social e aplicação da lei, qualquer reforma na segurança pública nascerá fadada ao fracasso.

