Um levantamento apresentado pelo Instituto de Estudos para Políticas de Saúde (IEPS) e pela associação Umane mostrou que, em 2024, 37% dos projetos de lei apresentados na área da saúde entraram em conflito com normas já existentes ou duplicaram regras vigentes, sem considerar a necessidade de inovação legislativa ou articulação com políticas públicas atuais, incluindo decretos e regulamentações do Executivo.
Entre os 585 projetos relacionados a políticas públicas de saúde analisados, 26% foram classificados como casos de contraposição e 11% como sobreposição. Essa situação foi associada a diversos fatores, como o esvaziamento do papel das comissões de avaliação, a falta de especialização dos gabinetes legislativos e a pouca integração com órgãos técnicos ministeriais. Tal cenário contribui para um desperdício de tempo e recursos públicos, dificultando a integração e o fortalecimento do Sistema Único de Saúde (SUS).
Congresso deve atuar na melhoria da saúde pública
Apesar de 40% das propostas complementarem políticas existentes, menos de 10% dos projetos se dedicam a aprimoramentos estruturantes do sistema de saúde. O estudo destaca também que os conflitos legislativos não se limitam a projetos internos, mas frequentemente confrontam normas infralegais do Executivo, como regras para medicamentos de alto custo e programas regulamentados por decretos.
Júlia Pereira, gerente de relações institucionais do IEPS, ressalta que “transformar medidas exitosas em lei pode engessar processos e dificultar adaptações ágeis a novas evidências”. Ela reforça a necessidade de um papel protagonista do Congresso no aprimoramento da saúde pública, destacando que, embora o excesso de propostas dificulte essa atuação, o Legislativo deve ser ágil na aprovação de medidas essenciais, como planos de emergência, exemplificados pela aprovação histórica da Lei 8.080 (criação do SUS) e ações durante a pandemia de covid-19.
Baixa priorização de grupos vulneráveis
Além disso, o estudo identificou que apenas 19% dos projetos focam em populações específicas, com pouca atenção a grupos historicamente negligenciados, como negros, indígenas e mulheres. Das 1.314 propostas analisadas, apenas 249 destinavam-se a públicos específicos, prevalecendo pautas sobre saúde da mulher (15%). Povos indígenas, pessoas em situação de rua e comunidades tradicionais representam menos de 3% das proposições.
O documento conclui que essa baixa prioridade legislativa contrasta fortemente com as desigualdades estruturais que essas populações enfrentam em seus indicadores de saúde.