O governo federal enfrenta dificuldades crescentes para contratar empresas especializadas em construções de ferrovias. O principal entrave é a ausência de um sistema próprio de preços para o setor ferroviário, o que tem impactado diretamente o andamento das obras e os custos dos contratos.
Mesmo após 171 anos da inauguração da primeira ferrovia brasileira, a Estrada de Ferro Mauá, em 1854, o país ainda não conta com uma tabela de preços oficial que oriente as compras públicas em obras ferroviárias.
Sistema rodoviário é usado como referência
Na prática, o governo utiliza uma adaptação do Sistema de Custos Rodoviários (Sicro), referência obrigatória nas licitações de obras de infraestrutura do Departamento Nacional de Infraestrutura de Transportes (DNIT). O Tribunal de Contas da União (TCU) exige o uso do Sicro nas contratações públicas.
O problema é que os custos de uma ferrovia são muito diferentes dos de uma rodovia, o que gera distorções de preços, insegurança jurídica e riscos econômicos nos contratos.
Em ofício recente, a estatal Infra S.A., vinculada ao Ministério dos Transportes, detalhou as dificuldades provocadas por essa situação: “As considerações sobre produtividade e cotações de preços frequentemente divergem dos valores reais apurados em campo”, afirma a estatal.
Risco de falta de empresas nas licitações
A Infra S.A. demonstrou preocupação com o cenário para 2025: “Nossa preocupação reside na possibilidade de ausência de licitantes habilitados e nos riscos econômicos dos contratos, o que levaria a rescisões e necessidade de reestudo e relicitação das obras”, destaca o documento enviado à Secretaria Nacional de Transporte Ferroviário (SNTF).
O principal ponto de tensão é a obrigatoriedade de seguir o Sicro, mesmo com suas limitações. Segundo a estatal, a adaptação da tabela de rodovias ao setor ferroviário exige estudos técnicos demorados e caros.
Pedido de urgência
A Infra S.A. pediu oficialmente que o Ministério dos Transportes acione o DNIT para viabilizar “com urgência” a criação de um sistema próprio de custos ferroviários. O objetivo é garantir orçamentos mais realistas e licitações bem-sucedidas.
“É fundamental que o DNIT evite distorções nos custos e composições referentes às obras ferroviárias, garantindo que os orçamentos reflitam as condições reais do mercado”, reforça a estatal. A modernização do sistema é vista como essencial para projetos como a Ferrovia Oeste-Leste (FIOL) e outras grandes obras em andamento.
Obras em andamento
A Infra S.A. administra atualmente trechos da FIOL, na Bahia, da Transnordestina, no Nordeste, e acompanha a Ferrovia Centro-Oeste (FICO), executada pela Vale em Mato Grosso.
O orçamento público previsto para as obras neste ano é de R$ 500,8 milhões, sendo que R$ 478,99 milhões serão destinados à FIOL 2, entre Caetité e Barreiras (BA). A meta é alcançar 76% de execução até o final de 2024.
Na Transnordestina, o trecho entre Salgueiro e Suape (PE) está em fase inicial de retomada, com previsão de R$ 19,04 milhões de investimento neste ano, além de licenciamento ambiental e desapropriações.
DNIT promete sistema ferroviário, mas só em 30 meses
Procurado, o DNIT informou que já iniciou um projeto para incluir custos ferroviários nas suas tabelas de referência. A base será o Sistema de Custos Referenciais Ferroviários (Sicfer), da ANTT, com apoio técnico da Fundação Getulio Vargas (FGV).
O cronograma, no entanto, é de longo prazo: 30 meses até a conclusão dos estudos e a incorporação efetiva no Sicro.
O DNIT afirmou ainda que o Sicro já possui metodologias para os três modos de transporte sob sua responsabilidade — rodoviário, ferroviário e aquaviário — e que sua execução orçamentária tem superado 90% de realização nos últimos 15 anos.