A proposta de reforma do Imposto de Renda apresentada pelo ministro da Fazenda, Fernando Haddad (PT), deve começar a tramitar nesta semana na Câmara dos Deputados. Uma das alternativas analisadas pelo relator, o ex-presidente da Câmara Arthur Lira (PP-AL), é retomar um projeto encaminhado ao Congresso ainda durante o governo Jair Bolsonaro, sob responsabilidade do então ministro da Economia Paulo Guedes.
As propostas diferem principalmente em seus objetivos. O plano de Guedes (PL 2337/2021) priorizava a tributação de lucros e dividendos distribuídos pelas empresas, compensada pela redução da alíquota do Imposto sobre a Renda das Pessoas Jurídicas (IRPJ). A intenção era incentivar o reinvestimento dos lucros no próprio negócio.
Já a proposta de Haddad (PL 1887/2025) foca na ampliação da faixa de isenção do Imposto sobre a Renda da Pessoa Física (IRPF). Para isso, prevê contrapartidas, como a criação de uma alíquota mínima para contribuintes de alta renda e a taxação parcial de dividendos.
Apesar da polarização entre os dois governos, a ideia de retomar o texto de Guedes é considerada viável por parlamentares da base do governo Lula. Entenda por quê.
Tributação de lucros e dividendos
No que diz respeito à tributação dos lucros das empresas, a reforma de Paulo Guedes tinha mão mais pesada: previa uma cobrança direta de 20% sobre lucros e dividendos pagos por empresas. Para pessoas físicas residentes no Brasil, esse imposto seria exclusivo na fonte. Para contribuintes no exterior, a alíquota seria de 20%, subindo para 30% em casos de paraísos fiscais ou regimes tributários favorecidos. A justificativa era alinhar o Brasil às práticas da OCDE, onde a distribuição de lucros é normalmente tributada.
Já a proposta de Haddad adota uma abordagem indireta, por meio da criação do Imposto de Renda da Pessoa Física Mínimo (IRPFM), com início previsto para janeiro de 2026. A medida prevê a retenção de 10% na fonte sobre lucros e dividendos pagos por uma mesma empresa a uma mesma pessoa física no Brasil, quando ultrapassarem R$ 50 mil por mês. No caso de remessas ao exterior, a tributação também será de 10%, mas para rendimentos de qualquer valor, mesmo abaixo do piso de R$ 50 mil. Além disso, o projeto possibilita a restituição do imposto pago quando a carga tributária conjunta de IRPJ e IR na fonte superar as alíquotas nominais de 34%, ou 45% no caso de empresas financeiras.
O governo argumenta que a medida promove maior progressividade, corrigindo distorções que hoje beneficiam os contribuintes mais ricos, cuja carga efetiva tende a ser menor por causa de isenções e deduções. O mecanismo de crédito visa evitar uma tributação excessiva e desincentivar investimentos.
Em resumo, a proposta de Guedes prevê uma alíquota fixa na fonte para todas as distribuições, enquanto a de Haddad estabelece um limite isento e aplica a alíquota mínima apenas sobre valores excedentes, com ajuste conforme a carga tributária global (empresa e pessoa física).
Imposto sobre a Renda da Pessoa Jurídica (IRPJ)
Um ponto central da proposta de Guedes era a redução do IRPJ, o que não consta na proposta de Haddad. No texto original apresentado em 2021, o governo Bolsonaro propunha cortar o imposto de 15% para 10%, com um adicional de 10% para os lucros que superam os R$ 20 mil. Na época, Paulo Guedes justificou que a redução evitaria os impostos sufocassem o empresariado brasileiro. A redução do IRPJ era vista como parte de um movimento para aliviar a carga tributária sobre as empresas e, em conjunto com a tributação de dividendos, incentivar o investimento e o crescimento econômico. Isso porque valeria mais a pena para o empresário reinvestir do que distribuir lucros. Ou seja, o objetivo era transferir a carga tributária para o indivíduo, retirando-a da empresa.
A redução do IRPJ tinha apoio massivo do setor empresarial. Tanto que o texto aprovado pela Câmara trazia uma redução ainda maior no imposto – para 8% em vez de 10%.
Imposto sobre a Renda da Pessoa Física (IRPF)
Ambas as propostas tratam da atualização da tabela do IRPF, mas com diferenças significativas. A proposta de Guedes aumentava a faixa de isenção de R$ 1,9 mil para R$ 2,5 mil mensais — um reajuste de até 31,3%. O mesmo percentual seria aplicado à isenção para aposentados e pensionistas com mais de 65 anos. Além disso, limitava o uso do desconto simplificado (20% dos rendimentos tributáveis) a contribuintes com rendimentos de até R$ 40 mil anuais. Também previa a atualização de valores de imóveis adquiridos até uma data específica.
A proposta de Haddad eleva a faixa de isenção para R$ 5 mil mensais (R$ 60 mil anuais), frente aos atuais R$ 3 mil. A principal novidade, no entanto, é a instituição do IRPFM, que introduz uma alíquota mínima para contribuintes de alta renda a partir de 2026.
Outras diferenças
Outra diferença importante diz respeito aos juros sobre capital próprio (JCP). A proposta de Guedes previa a extinção do mecanismo como despesa dedutível do IRPJ. O governo Lula chegou a enviar um projeto com foco semelhante, o PL 3394/2024, que aumentava a tributação sobre JCP. No entanto, sob forte resistência do setor industrial, o texto foi engavetado e nunca deixou a mesa da presidência da Câmara.
O projeto de Paulo Guedes também detalhava regras para a tributação de aplicações financeiras, incluindo fundos abertos, fechados, FIPs e fundos imobiliários e previa uma alíquota única de 15% para diversos investimentos. Parte dessas medidas acabou sendo implementada gradualmente no governo Lula, como na lei que passou a tributar fundos exclusivos e aplicações mantidas em offshores — empresas no exterior usadas para abrigar investimentos.