Se quiser uma eleição com regras diferentes das atuais, o Congresso Nacional vai precisar correr. Isso porque qualquer mudança no regramento eleitoral precisa ser publicada a, no máximo, um ano antes do pleito. É o chamado “princípio da anualidade eleitoral”, que garante a estabilidade das regras. E não são poucas as alterações analisadas no Congresso Nacional. Veja os principais temas em discussão.
Quarentena para militares (PLP nº 112/21)
Como parte de um longo projeto que consolida um Código Eleitoral (Projeto de Lei Complementar – PLP nº 112/21), o Senado avalia criar uma quarentena a ser cumprida antes da eleição para militares, policiais (militares ou civis), juízes, membros do Ministério Público e das Guardas Municipais que estejam na ativa. Pelo PLP, da forma aprovado na Câmara, os membros dessas carreiras precisam estar afastados do serviço quatro anos antes da candidatura. Na Comissão de Constituição, Justiça e Cidadania (CCJ) do Senado, onde o tema está em debate atualmente, o texto foi alterado para que esse período seja de dois anos — uma forma de reduzir a resistência ao projeto.
A ideia da regra é coibir o uso político das carreiras de segurança pública e da Justiça. Sem poderem se candidatar, esses servidores teriam menos incentivo para ações controversas com o intuito de obterem visibilidade e mídia. Esse projeto, porém, tem encontrado muita resistência no mundo político. No atual Congresso, pelo menos 45 deputados e 11 senadores declararam provir de uma dessas carreiras. Em sua percepção, a regra seria uma restrição de direitos políticos, o que violaria a Constituição Federal. Além disso, a quarentena poderia fazer com que especialistas em segurança pública e outros profissionais com experiência no serviço público fossem afastados do debate político. Um dos principais opositores ao dispositivo é o senador e ex-juiz Sérgio Moro (União-PR).
Reserva de vagas para mulheres (PLP nº 112/21)
O projeto também altera a legislação eleitoral no caso da paridade de gênero. A principal novidade é a substituição da atual regra de mínimo de candidaturas por uma reserva de vagas (cotas) para mulheres no Legislativo. O texto prevê que, nos próximos 20 anos, 20% das cadeiras da Câmara e do Senado e nos Legislativos estaduais e municipais sejam ocupadas por mulheres. Apesar do percentual ainda baixo, o objetivo é alcançar a paridade de gênero.
O maior impacto da regra seria nas Câmaras Municipais e nas Assembleias Estaduais, muitas totalmente ocupadas por homens. “Todas as políticas públicas que possam nos dar voz são muito importantes. [Com a cota,] o que vai acontecer é que não vão se criar candidatas laranjas”, disse a deputada Renata Abreu, presidente nacional do Podemos.
Gera polêmica, porém, a ideia de que a nova exigência viria não como um acréscimo à anterior, que define um mínimo de candidaturas, mas como uma substituição pelo período de 20 anos. Isso é visto por alguns parlamentares como uma forma de autorizar aos partidos que lancem menos candidatas. Elas destacam que a reserva de candidaturas é a base da regra que define uma separação de recursos para as campanhas políticas de mulheres, o que efetivamente fez aumentar a participação feminina.
Parte das deputadas e senadoras argumenta ainda que a separação de 20% das cadeiras é pequena em comparação com a realidade de outros países que já atingiram a paridade de gênero em seus Parlamentos. O cálculo político também tem gerado apreensão, visto que a criação da cota já foi incluída em outros projetos anteriormente, mas acabou não avançando.
A reforma prevê a obrigatoriedade de os partidos aplicarem 30% dos recursos do Fundo Partidário e do Fundo Especial de Financiamento de Campanha (FEFC) em candidaturas femininas. E a proposta mantém a regra que exige que 30% do tempo de propaganda eleitoral seja dedicado à promoção da participação política das mulheres.
Unificação do prazo de inelegibilidade (PLP nº 112/21)
Também chama atenção do mundo político o trecho do projeto de Código Eleitoral que aborda o período de inelegibilidade de condenados pela Justiça. Pelo projeto de lei, em nenhuma hipótese a inelegibilidade passará de oito anos, e o prazo começará a ser contado a partir da publicação da decisão que definiu a inelegibilidade.
Hoje existem duas regras distintas para essa contagem de prazo. Quando se trata de crimes comuns, contra a vida, lavagem de dinheiro, organização criminosa e tráfico de drogas, o prazo conta a partir do fim do cumprimento da pena. Já se o político tiver cometido delitos eleitorais ou improbidade administrativa, a inelegibilidade vale pelo período do cargo ocupado e por mais oito anos após o término do mandato.
Segundo o relator, senador Marcelo Castro (MDB-PI), o resultado dessa falta de unidade na norma pode ter como consequência um período de inelegibilidade muito maior. Se um senador, por exemplo, que tem mandato de oito anos, for declarado inelegível em seu primeiro ano no Senado, terá como resultado uma inelegibilidade de quase 16 anos.
A mudança desses prazos, conta com a oposição da bancada de segurança pública, que quer manter a possibilidade de maior inelegibilidade para autores de crimes violentos.
Inteligência Artificial (PLP nº 112/21)
A crescente presença da Inteligência Artificial (IA) nas campanhas eleitorais leva o Congresso a discutir formas de regulamentar o seu uso, a fim de proteger o processo das próximas eleições. Aliás, o projeto do Novo Código Eleitoral tende a regulamentar todas as novas práticas de engajamento digital. Um exemplo de prática é o chamado “campeonato de cortes”, técnica que utiliza trechos curtos e impactantes de vídeos para gerar compartilhamentos nas redes sociais. Embora inovadoras, essas estratégias podem causar distorções no debate e manipular emoções, exigindo atenção por parte do Legislativo.
Diante disso, parlamentares têm apresentado propostas variadas. A senadora Augusta de Brito (PT-CE) quer restringir o uso de IA na propaganda eleitoral, enquanto a senadora Soraya Thronicke (Podemos-MS) defende proibir concursos e sorteios usados para atrair eleitores. Já o senador Rogério Marinho (PL-RN) enfatiza a necessidade de garantir segurança jurídica no direito de resposta e de evitar que mecanismos de controle de desinformação resultem em censura política.
Parlamentares pretendem incorporar resoluções do Tribunal Superior Eleitoral (TSE) que estabelecem orientações e proibições para o uso dessa tecnologia por candidatos. Há expectativa de que seja incorporada no projeto do Novo Código Eleitoral a exigência de rotulagem obrigatória de conteúdos manipulados ou gerados por IA, bem como a identificação do uso de robôs em comunicações de campanha. Essas exigências visam garantir transparência e impedir que eleitores sejam enganados por materiais artificiais sem saber sua origem.
Fim da reeleição (PEC nº 12/22)
Em outra frente, o Senado analisa uma Proposta de Emenda à Constituição (PEC) para acabar com a possibilidade de reeleição do Executivo. Pelo relatório do senador Marcelo Castro (MDB-PI), a possibilidade de reeleição deixaria de existir a partir de 2034 para os cargos de presidente, governador e prefeito. A partir dessa data, o mandato passaria a ser de cinco anos e a possibilidade de reeleição deixaria de existir.
A PEC propõe a coincidência das datas das eleições gerais (presidente, governadores, deputados e senadores) e municipais (prefeitos e vereadores). A principal vantagem seria a economia de recursos públicos com as campanhas eleitorais. O relator explica que haveria maior estabilidade política e produtividade no Parlamento, que, atualmente, acaba paralisado a cada dois anos.
Na CCJ, o relator alterou o texto no último momento para reduzir de oito para cinco anos o mandato de senadores. A proposta original de Marcelo Castro previa alongar o mandato para dez anos, mantendo a ideia de que seja o dobro do mandato dos deputados. O senador Carlos Portinho (PL-RJ) apresentou um destaque em que propõe um mandato menor, com cinco anos, o que acabou incluído no relatório. Fora essa mudança, a PEC será alterada para prever que o Senado possa ser renovado de uma só vez, e não em duas rodadas, de 2/3 e 1/3.
Como esse projeto mira o longo prazo e como o direito de reeleição nas próximas eleições não está em risco, não há necessidade de aprovação da PEC até outubro deste ano.
Kajuru: deputados têm bons motivos para aprovarem PEC do fim da reeleição