Entre todos os setores da economia que pressionaram por alterações no projeto do governo de Reforma Tributária, o mais bem-sucedido foi o agronegócio. A maior parte de suas demandas foi atendida, o que deve resultar em redução de alíquotas sobre os bens usados e os produzidos pelo segmento. Além do debate em torno da própria Proposta de Emenda à Constituição (PEC) que iniciou a reforma, a atuação do agro marcou fortemente a discussão sobre o principal projeto de regulamentação do novo sistema, transformado na Lei Complementar nº 214/2025. O ponto de virada foi a inclusão das proteínas animais, como carnes e peixe, na Cesta Básica Nacional, que terá zeradas as alíquotas dos novos impostos. Embora muitos produtos da nova Cesta Básica já contem com isenção por força de lei desde 2013, a definição na reforma é considerada um avanço para o setor.
Hoje eu tenho vários alimentos que estão na lista de Cesta Básica dos estados e da União, mas que, na prática, a alíquota aplicada não é zero. Isso porque não há devolução efetiva dos créditos. Com o novo sistema, se ele funcionar, eu vou devolver os créditos ao contribuinte de fato, avalia o advogado tributarista Eduardo Lourenço, que trabalhou ao lado da Frente Parlamentar da Agropecuária (FPA) ao longo da regulamentação.
Conforme explica, o efeito para o setor será positivo mesmo que algum item acabe tendo aumento de tributação. A partir do momento que eu tenho um sistema de débito e crédito com apuração integral dos créditos, melhora muito para o setor, pontua.
Outra batalha de gigantes em que o agronegócio saiu vitorioso foi em relação ao Imposto Seletivo (IS) sobre os carros elétricos. Ainda que as alíquotas não estejam definidas, a possibilidade incluída na lei complementar indica que os carros movidos a biocombustíveis (feitos de soja, no caso do biodiesel, e de cana-de-açúcar, no caso do etanol) podem acabar com uma vantagem competitiva.
Principais pleitos atendidos
- Carnes na Cesta Básica Nacional
O agro conseguiu incluir na Cesta Básica Nacional, que terá isenção de impostos, as proteínas animais, como carnes e queijos. Em seu formato final, a lista de produtos é bem ampla, com a inclusão de arroz, feijão, farinhas, massas, pão francês, açúcar e peixes, entre outros. Produtos regionais também foram incluídos, como a erva-mate.
- Imposto Seletivo sobre elétricos
O texto final da regulamentação da reforma estabeleceu a cobrança do Imposto Seletivo sobre veículos automotores, inclusive elétricos. A definição das alíquotas está pendente, mas os critérios de tributação estabelecidos podem beneficiar os biocombustíveis. O texto publicado tem “pegada de carbono” e “reciclabilidade” como critérios, o que pode pesar contra os elétricos.
- Biocombustíveis
Foi garantido que os biocombustíveis e o hidrogênio de baixa emissão de carbono terão tributação inferior à dos combustíveis fósseis. Assim, as alíquotas de Imposto Sobre Bens e Serviços (IBS) e a Contribuição Sobre Bens e Serviços (CBS) devem ser maiores que 40% e menores que 90% da alíquota que incide sobre combustíveis fósseis. A medida garante competitividade ao setor. E foi mantido o diferencial tributário entre etanol hidratado e gasolina C com, no mínimo, a diferença existente no período entre julho de 2023 e de 2024.
- Produtos agropecuários in natura
O agro conseguiu expandir o conceito de produtos in natura, que terão redução de 60% na alíquota. Além dos produtos naturais, sem processamento, terão o benefício os produtos que, para manter a qualidade, precisam ser embalados ou receber conservantes.
- Crédito tributário rural
O produtor poderá ser ressarcido pelo crédito acumulado. Além disso, o crédito presumido de produtores rurais não contribuintes (com receita anual inferior a R$ 3,6 milhões) poderá ser definido a partir do nível de receita anual e do tipo de produção rural. Para o setor, essa medida reduz custos na cadeia produtiva e evita que os créditos acumulados se tornem um ônus para os demais elos do segmento.
- Atualização da lista de produtos considerados insumos agropecuários
Foi incluída na lista de insumos que terão redução de 60% da alíquota os serviços de veterinários para produção animal, serviços de mistura, vinhaça, serviços laboratoriais e de melhoramento genético de animais e plantas. Um dispositivo incluído pelo agro criou um mecanismo para que a lista possa ser ampliada sem necessidade de nova lei.
- Imposto Seletivo sobre bebidas
Bebidas alcoólicas produzidas por pequenos produtores rurais terão alíquotas menores do que as alíquotas dos demais tipos de bebidas. Essa diferenciação deverá ser definida por lei ordinária.
- Ampliação da lista de alimentos com redução de 60% na alíquota
Além da lista de produtos com alíquota zero, vários outros terão alíquota reduzida. O setor conseguiu a inclusão de farinhas, grumos, sêmolas, castanhas regionais, cereais, sementes, frutos oleaginosos, produtos hortícolas, água mineral e bolachas/biscoitos.
- Maquinário agrícola
Terão alíquota zerada o fornecimento e a importação de tratores, máquinas e implementos agrícolas, destinados a produtor rural não contribuinte.
Próximas disputas: Fiagros e IS
Além de ter protagonizado os principais embates na regulamentação da Reforma Tributária, o agro está no centro da disputa em relação aos trechos da lei vetados pelo presidente Lula (PT). A Frente Parlamentar da Agropecuária (FPA) se mobiliza para derrubar os vetos do presidente aos benefícios fiscais para os Fundos de Investimento Imobiliário e aos Fundos de Investimento nas Cadeias Produtivas Agroindustriais (Fiagros). “Para nós, do agro, são fundos extremamente importantes, onde se busca financiamento, novas maneiras de acessar crédito para o agro. O fundo tem dado muito certo”, argumentou o presidente da FPA, Pedro Lupion (PP-PR).
Pelo texto aprovado no Congresso, Fundos de investimento imobiliário (FII) e Fundos de Investimento nas Cadeias Produtivas Agroindustriais (Fiagros) não serão contribuintes do IBS e da CBS se mais de 95% de suas cotas forem detidas por outros FIIs ou Fiagro isentos, fundos destinados exclusivamente à Previdência complementar e seguros de pessoas, ou entidades de Previdência e fundos de pensão regulados no Brasil.
Segundo manifestação do Ministério da Fazenda e da Advocacia-Geral da União (AGU), esses benefícios fiscais não estão previstos na Constituição. Além disso, haveria descumprimento da regra que define que o novo sistema tributário não concederá benefícios fiscais a não ser para os regimes específicos, diferenciados ou favorecidos, definidos na Emenda Constitucional da Reforma Tributária (EC nº 132).
O governo chegou a propor um acordo com a apresentação de um projeto alternativo, mas a ideia é vista com desconfiança pela bancada ruralista. Não há certeza se o projeto do governo isentará a distribuição dos lucros e a negociação de bens imóveis pelo Fiagros. Ademais, um novo projeto sobre o Imposto Seletivo deve ser apresentado com o objetivo de definir as alíquotas. Assim, a disputa entre os representantes das montadoras de carros elétricos e os defensores dos biocombustíveis deve se reiniciar.
Fontes ouvidas pela Arko no Congresso avaliam que a pressão do setor de biocombustíveis e do agronegócio deverá ser intensa e que a tendência atual é que esses veículos tenham menos impostos do que aqueles totalmente elétricos. Por terem origem renovável, o etanol e o biodiesel poderiam ser privilegiados num momento em que a energia elétrica no Brasil tem tido cada vez mais participação das usinas movidas a gás ou a carvão, que são combustíveis fósseis. Além disso, o critério da “reciclabilidade veicular” e de “reciclabilidade de materiais” deve ser usado para privilegiar os carros movidos a biocombustível, uma vez que o processo de reciclagem das baterias dos elétricos ainda não está totalmente desenvolvido.
Critérios que serão utilizados para graduar os impostos sobre os veículos:
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Potência do veículo
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Eficiência energética
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Desempenho estrutural e tecnologias assistivas à direção
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Reciclabilidade de materiais
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Pegada de carbono
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Densidade tecnológica
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Emissão de dióxido de carbono (eficiência energético-ambiental), considerado o ciclo do poço à roda
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Reciclabilidade veicular
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Realização de etapas fabris no País
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Categoria do veículo