O Ministério do Planejamento e Orçamento (MPO) publicou o relatório 2025 do projeto Rotas de Integração Sul-Americana. O relatório detalha o estado de obras estratégicas para a integração do Brasil com os países vizinhos, incentivando o comércio intrarregional. À Arko Advice, o secretário de Articulação Institucional do MPO, João Villaverde, comentou expectativas sobre o programa. Veja:
Os senhores estão trabalhando, neste momento, com as Rotas de Integração Sul-Americana. Como essas rotas vão possibilitar o crescimento do comércio do Brasil, principalmente no que diz respeito à transformação da economia?
Essas cinco rotas, de natureza multimodal, são compostas por obras públicas e concessões ao setor privado, tanto dentro quanto fora do Brasil. Em 2023, apresentamos o projeto ao presidente Lula, que deu sinal verde. Foi nesse momento que as Rotas passaram a existir formalmente, transformando-se em um programa do governo federal com esse nome. Na ocasião, o presidente nos deu o comando: verifiquem com os países da América do Sul e os estados brasileiros se essas rotas fazem sentido para eles. Em 2024, realizamos diversas viagens, e esse processo de escuta foi extremamente rico. Concluímos, a partir dessa escuta, um novo relatório, que será divulgado esta semana com todos os detalhes de como os estados brasileiros não fronteiriços também poderão participar do projeto. Quanto ao comércio, enfrentamos um problema grave: o comércio intrarregional na América do Sul representa apenas 15%. Assim, à medida que as Rotas de Integração Sul-Americana forem implementadas, aumentaremos tanto as exportações brasileiras para os nossos vizinhos quanto as importações de bens e serviços dos demais países sul-americanos para o território nacional. Isso gera efeitos macroeconômicos poderosos, como a redução da inflação em todos os países envolvidos, já que os produtos terão custo de distribuição menor e, portanto, preços mais baixos. Além disso, há efeitos positivos sobre a redução de conflitos, uma vez que os países passam a ter relações comerciais mais constantes e estruturadas com os vizinhos. O segundo ponto, igualmente importante, é que, à medida que aproximamos o Brasil do Oceano Pacífico, ganhamos um caráter bioceânico, o que é fundamental para a estratégia de integração e acesso aos mercados asiáticos. Ainda sobre as Rotas de Integração Sul-Americana: o governo pretende angariar investimentos para as rotas. Como isso será feito? Como atrair os investidores? A estratégia parte de um grande guarda-chuva institucional, sob o qual há uma coalizão de 15 ministérios. Isso oferece a robustez de um programa que está no centro das prioridades do presidente Lula e da ministra Simone Tebet, e que cumpre os preceitos da Constituição brasileira. O que temos observado é um forte comprometimento por parte dos países vizinhos. De nada adiantaria o Brasil fazer a sua parte se a estrada chegasse à fronteira e parasse ali, ou vice-versa. Do ponto de vista dos investidores, é essencial haver clareza e segurança jurídica. Mantemos um excelente relacionamento com todos os governos da América do Sul. O Paraguai, por exemplo, mesmo com um governo mais à direita, tem feito um trabalho impressionante, com apoio do setor privado local e internacional. Isso vale para a Argentina, que, embora mais à direita ainda, mantém um relacionamento muito positivo conosco. Para viabilizar os projetos, considerando especialmente as limitações de capital público, fechamos uma carteira especial de financiamento, com carência ampliada e taxas de juros mais baixas, com bancos multilaterais de crédito. Inicialmente, reunimos US$ 7 bilhões e estamos ampliando essa carteira por meio de diálogo com outros bancos, incluindo o Banco Mundial, o que trará ainda mais conforto e garantias para os investidores, assegurando a continuidade das Rotas. Sobre as concessões: quais estão no radar e quais serão as próximas? O senhor poderia adiantar? Ponte Brasil–Bolívia (Guajará-Mirim, Rondônia): Temos uma dívida histórica com a Bolívia desde 1966, e essa ponte nunca chegou a ser iniciada. Se tudo caminhar como previsto, será uma concessão ao setor privado iniciada ainda neste mandato do presidente Lula, com prazo de execução de 36 meses. Sua conclusão está prevista para o final desta década. Essa ponte vai unificar o território brasileiro com um país estratégico, grande produtor de fertilizantes, além de atrair mais turistas para o Brasil e permitir o intercâmbio de brasileiros com a Bolívia, inclusive em áreas como gastronomia e educação superior. Hidrovia Lagoa Mirim (RS–Uruguai): Esse projeto permitirá que embarcações façam o trajeto de Porto Alegre a Montevidéu e vice-versa. Estava pronto até a tragédia climática no Rio Grande do Sul em 2024, que alterou drasticamente o nível da Lagoa Mirim devido à grande quantidade de destroços. O projeto está sendo totalmente refeito. Após sua conclusão, será concedido ao setor privado, que poderá operá-lo de forma semelhante à de uma rodovia, com cobrança de tarifas. Isso abrirá espaço para o desenvolvimento de restaurantes, turismo, pesquisas acadêmicas, universidades e outras oportunidades econômicas e sociais na área. BR-156 (Amapá – Guiana Francesa): Conhecida como a obra mais antiga do Brasil, a BR-156 está, pela primeira vez, quase concluída. Dependendo das chuvas, isso deve ocorrer até o fim de 2026 ou início de 2027. Essa rodovia permitirá a primeira ligação rodoviária direta do Brasil com a França, por meio da Guiana Francesa, criando condições inéditas para o comércio e a cooperação com a União Europeia. Há um projeto entre o Brasil e a China para ferrovia que liga os oceanos. Recentemente foi assinado um memorando de entendimento que permite o avanço dos estudos. Agora, quais são as expectativas? A gente só vai saber se vai acontecer, de fato, quando houver um estudo, e o estudo é a primeira etapa. Agora, é muito importante para a gente, muito importante mesmo, que tenhamos – e é aí que entra o papel do Ministério do Planejamento e Orçamento – uma ferrovia de integração nacional que, futuramente, evolua para uma ferrovia bioceânica. Quando falamos em integração nacional, pensamos no leste brasileiro e, hoje, não temos trilhos chegando até o Acre. Também não temos trilhos chegando a Rondônia. Estamos trabalhando para levar trilhos até o Mato Grosso. Então, quando a extensão feita pelo Ministério dos Transportes, em parceria com a Infra S.A., for concluída, essa extensão, mesmo antes de se tornar bioceânica, já será fundamental para escoar a produção nacional e facilitar o trânsito de turistas. Já existe uma rodovia que liga a capital do Brasil à capital do Peru. Se já há uma rodovia, a chance de termos uma ferrovia é ainda maior. Mas, como sempre, o estudo é que vai dizer. E uma última palavra sobre isso: a questão ambiental. Qualquer projeto desenvolvido no território brasileiro será realizado em conformidade com os órgãos ambientais, como deve ser. Como estão lidando com a taxação imposta pelo presidente dos Estados Unidos? O ponto central da resposta do governo federal tem sido a escuta ativa dos setores impactados. O presidente Lula já se reuniu com o sistema financeiro bancário para avaliar novas linhas de crédito. Também está ouvindo o agronegócio e a indústria, para entender na ponta como os setores exportadores e importadores estão sendo afetados. A resposta ainda está sendo construída com base nesse processo consultivo. O presidente tem sido muito vocal ao apontar a medida como uma agressão à economia brasileira. E ele está correto ao destacar a gravidade do impacto dessa decisão sobre o setor produtivo nacional. Outro ponto, que acho relevante, já foi mencionado pelo ministro de Portos e Aeroportos, Silvio Costa Filho, que tem muita interface com o setor privado por conta do ministério que recebeu. Em um evento impactante, o “BR do Mar”, ele mencionou algo essencial. Ele falou da incredulidade dele, como deputado federal – ele é ministro, está emprestando seu tempo ao Brasil como ministro de Estado, mas foi eleito deputado federal –, ao ver outro deputado federal, tão deputado quanto ele, só que eleito por São Paulo, Eduardo Bolsonaro, negociando em território estrangeiro agressões ao Brasil. A meu ver, é uma fala potente, porque vocaliza – como têm feito o presidente Lula, o vice-presidente Alckmin e a ministra Simone Tebet – essa incredulidade que todos nós estamos sentindo. Falo como secretário, mas também como cidadão brasileiro. É algo inacreditável. |