Em entrevista exclusiva à Arko Advice, o ministro de Desenvolvimento e Assistência Social, Família e Combate à Fome (MDS), Wellington Dias (PT), afirmou que não enxerga sinais de uma grande reforma ministerial no momento. Segundo ele, uma das prioridades do governo Lula seria a organização de uma base política para 2026. “Agora, nós vamos ter que tomar decisões sobre o time que vamos botar em campo em 2026”, destacou.
Confira a entrevista na íntegra:
O governo está promovendo cortes no Bolsa Família. No Orçamento houve corte de R$ 7,7 bilhões. Anteriormente, o Ministério do Planejamento e Orçamento havia anunciado um corte de R$ 2,3 bilhões com o programa Revisar para Priorizar. Com a aproximação das eleições, os cortes tendem a reduzir?
O presidente Lula assegura que não faltará dinheiro para o pagamento de ninguém que tenha direito ao Bolsa Família ou a qualquer outro programa. Na verdade, é uma boa notícia: o ministério está dando resultado no social, mas também promovendo redução de despesa. Para lembrar: a gente começou 2023 com um orçamento previsto de R$ 175 bilhões. Fechamos 2024 com R$ 168 bilhões. Para 2025, estamos prevendo algo próximo a R$ 160,3 bilhões.
Os R$ 7,7 bilhões a menos no Orçamento se devem ao combate à fraude. E agora nós temos, em 2025, dois instrumentos ainda mais eficientes. Nesta semana entrou em atividade um novo Cadastro Único, mais moderno, com uma base de dados em que fazemos um cruzamento de informações ainda maior. No começo, detectamos muita gente com CPF falso, pessoas com renda muito elevada que entravam no Auxílio Brasil. Agora não é mais possível.
Mas o Orçamento continuará sendo revisto?
Eu digo ao presidente Lula e aos meus colegas ministros que, neste ministério, quanto mais melhora para o povo mais melhora para as contas públicas.
Seguimos o caminho de não só tirar da fome, mas também tirar da pobreza, o que está dando grandes resultados. Nós temos uma política com o setor privado, com os estados e os municípios, com as universidades, com as escolas técnicas, que permitem qualificar pessoas voltadas para áreas onde há demanda de vagas de emprego.
O resultado disso é que em dois anos, 2023 e 2024, tivemos 16,5 milhões de admissões do público do Cadastro Único. Cerca de 71% das vagas criadas nesses anos foram para o público do Cadastro Único, o Bolsa Família. Isso também gera economia, porque ao sair da pobreza a pessoa deixa de receber o Bolsa Família. Como não entra mais na fila quando perde o emprego, houve mudança. Isso significa que aquele medo de assinar carteira sofreu uma grande transformação.
“Aquele medo de assinar carteira sofreu uma grande transformação”
O que a gente pode esperar em termos de novas ações em relação ao plano de revisão de gastos?
Nesta semana tive uma agenda com o presidente do Tribunal de Contas, ministro Vital do Rêgo. Também tivemos o lançamento do Plano Nacional da Rede Federal de Fiscalização do Bolsa Família e do Cadastro Único. Entramos em 2025 muito mais preparados. Agora é possível detectar em cada município o que existe de anormalidade. Como é que, em determinado município, por exemplo, 66% da população é solteira? Eu brinco dizendo que vamos ter que levar um padre ou um pastor para fazer lá um mutirão de casamento. O Bolsa Família tem a família como foco. Na média, o IBGE diz que no Brasil entre 12% e 16% da população vive só.
Agora, passamos a usar a Inteligência Artificial e temos uma base de dados muito maior. Passamos a trabalhar com uma rede federal de fiscalização. E estou animado porque 2025 também é um ano em que o Brasil continuará crescendo. Ao contrário de alguns pessimistas, acho que o Brasil vai crescer entre 3% e 4% em 2025. Os investimentos cresceram em 2024 e prosseguem com um padrão muito mais elevado para 2025. Com isso, a superação da pobreza será maior e também a redução de despesas para o programa.
O presidente Lula fará um novo acordo com os partidos para garantir a governabilidade nessa segunda metade do governo? Ou o foco é se preparar para 2026?
Se a pergunta é se haverá uma reforma ministerial, digo: por tudo que acompanho junto ao presidente Lula – e tenho esse privilégio de ter momentos de diálogo com ele, com outros ministros e outros líderes –, a resposta é “não”. Não vejo nenhum sinal de uma grande reforma. É bom lembrar: o presidente foi eleito com uma bancada governista minoritária na Câmara e no Senado, então ele teve de começar o mandato garantindo as condições de apoio para a governabilidade. A governabilidade continua no centro das atenções em 2025 e 2026, mas agora também é prioridade a organização do ponto de vista político, a organização de uma base política para 2026 em cada estado. Como que nós vamos organizar nosso time, como que fazemos essa integração das nossas lideranças que vão compor chapa de governador, vice, deputado estadual os estados, deputado federal, de senadores, com compromisso com a eleição do nosso pré-candidato, que é o presidente Lula. Então, sim, nós vamos de agora em diante ter esta preocupação com 2026.
“Não vejo nenhum sinal de uma grande reforma [ministerial]”
Então a ideia de uma reforma ministerial ampla foi cancelada?
Na verdade, eu via a possibilidade de reforma na imprensa, mas não via isso nas discussões das quais participava. Agora nós vamos ter que tomar decisões sobre o time que vamos botar em campo em 2026. E aqui há partidos que vão estar juntos. É possível que tenha partido com assento em ministério que possa tomar a decisão de estar do outro lado da disputa eleitoral. Então, mesmo o ministro decidindo ficar, ele deixa de representar seu partido no governo. Isso começará a ficar mais claro no segundo semestre deste ano.
Qual foi o cálculo do governo ao nomear a ex-presidente do PT Gleisi Hoffmann como ministra da Secretaria de Relações Institucionais?
Enquanto presidente do PT, a Gleisi cumpriu um papel extraordinário e também ganhou uma experiência ainda maior ali na condução do time, visando às eleições de 2026. Olhando politicamente, eu vejo alguém em quem o presidente tem muita confiança, mas também uma pessoa com mais experiência política, mais que todos nós.
Nas eleições de 2022, ela ajudou na coordenação com os outros partidos. Agora, quando precisamos organizar 2026, ela vai ter o trabalho de conduzir essa relação institucional. E te digo, eu sou otimista em relação a 2026. Ouço muitas coisas e tenho uma compreensão exata de que há um desgaste muito grande dos políticos em geral. São raras as exceções. Os políticos não se tratam mais como adversários eleitorais, eles agem como se o objetivo fosse destruir os oponentes. Isso gera cada vez mais decepção na população. Mas quando eu comparo o pré-candidato Lula com o ex-presidente Jair Bolsonaro, ele aparece com três vezes mais votos do que foi o resultado da eleição de 2022, por exemplo. Em 2022, o presidente Lula venceu as eleições com cerca de 2 milhões de votos de maioria. Por essas pesquisas que são divulgadas, ele hoje teria cerca de 6 milhões de votos a mais do que o ex-presidente Jair Bolsonaro. Com os outros candidatos, como Tarcísio [de Freitas], Ratinho [Júnior] e Michelle [Bolsonaro], a diferença varia entre 11 milhões e 16 milhões de votos.
Ao mesmo tempo que temos o crescimento do PIB, temos também a inflação do preço dos alimentos. Nesse contexto, o governo fala na reformulação do Programa de Alimentação do Trabalhador, o PAT. Como está esse processo?
A inflação está, sim, no centro das nossas atenções. Mas a inflação sobre os itens da alimentação já começa a ceder, começa a sofrer redução. Sobre o preço da energia, houve um problema pontual. Acho que ainda neste semestre vamos fechar um ano com a inflação sob controle.
O ministro Luís Marinho (PT), do Ministério do Trabalho, é quem coordena a reformulação do PAT. Ele está dialogando com empresas e com trabalhadores para garantir a redução de uma parte do que hoje é despesa com o custo desse modelo de cartão, o tíquete-alimentação. Isso significa mais dinheiro para a alimentação. Alguém que está recebendo R$ 500 de tíquete vai poder receber R$ 600, porque reduziu o custo nessa concorrência livre. Com isso poderemos garantir também mais consumo.
Recentemente, o presidente Lula disse que poderia tomar medidas mais fortes, caso a inflação não recuasse. A que tipo de medidas ele estava se referindo?
O presidente fez uma medida, por exemplo, para permitir a importação de alguns produtos a um custo mais baixo, mas com uma preocupação muito grande de evitar que isso trouxesse prejuízo para os produtores brasileiros. Veja que o presidente colocou linhas de financiamento a um custo mais baixo. Ele também calibrou o preço de insumos na importação, para que esses insumos pudessem chegar a um preço mais baixo e com isso também influenciar a queda do preço dos produtos agrícolas. Se ele tiver que tomar uma decisão de ampliar compras, ele vai fazer, porque a prioridade é proteger o povo brasileiro em geral.
O senhor está falando de estoque regulatório?
Isso. Mas isso já está em andamento. A Conab se associa com armazenagens privadas para garantir as condições de preço. Quando o preço fica muito baixo, no período da safra, leva prejuízo aos produtores. Então, o governo compra e armazena. De outro lado, em momentos em que o preço tem uma subida muito elevada, o governo libera os estoques para regular o mercado interno. Mas há outro objetivo: estamos também nos preparando para as mudanças climáticas.
Na discussão sobre as apostas on-line no Congresso, o Ministério foi procurado para opinar sobre o impacto social dos jogos. Como o ministério vê a possibilidade de os cassinos serem liberados?
Não posso negar que vejo com preocupação. No Sistema Único da Assistência Social, cuidamos de crianças abandonadas, refugiados, população em situação de rua, pessoas com deficiência, pessoas idosas… Agora, já tivemos de cuidar de cerca de 200 mil pessoas em todo o Brasil dependentes de jogos. Muitas vezes a pessoa que ficou, como se diz no jargão popular, “viciada em jogo”, termina gastando tudo o que a família tem, vendendo o patrimônio, desorganizando a vida familiar. E isso termina resultando num grande problema social.
Por outro lado, quando houve aquela divulgação do relatório do Banco Central [que mostrou que beneficiários do Bolsa Família gastaram R$ 3 bilhões com jogos apenas em agosto de 2024], fiquei preocupado num primeiro momento. Quando a gente olha em alguns estudos, todos os adultos no Brasil, 52% dizem que jogam. É um número muito grande, por isso o presidente Lula se preocupa em proteger os brasileiros, por isso ele fez mudanças na regra da propaganda. Mas quando eu examinei quantos têm cartão do Bolsa Família e quantos estavam usando-o para jogos, o número era de 3,4%. Um número relativamente baixo em relação àquele que tinham divulgado. Então levantei a suspeição de que possam, como já aconteceu no passado, estar usando o CPF do público do Bolsa Família, muitas vezes sem a pessoa nem saber, para lavagem de dinheiro.
Como o governo deve lidar com isso?
No final, foi adotada uma medida que proíbe o uso dos cartões, e aí o Bolsa Família entrou.
E o filtro pelo CPF, vocês pensam em aplicar?
Isso não, porque temos o cuidado de não criar mais discriminação contra os mais pobres.

