Após 25 anos de intensas negociações, os blocos do Mercosul e da União Europeia (UE) anunciaram um acordo que visa alavancar o comércio bilateral. A carne brasileira se destaca como uma das maiores beneficiadas, com um potencial de expansão, mas também com novos desafios que podem impactar seus produtores.
Mesmo com a carne brasileira tendo aceitação global, a entrada do acordo poderá trazer novos rigorosos crivos de qualidade. É o que explica o embaixador José Alfredo Graça Lima, um dos primeiros negociadores do Brasil nas conversas entre o Mercosul e a UE.
Para o agronegócio, o embaixador sublinha, as vantagens do acordo não se resumem à ampliação das exportações para os europeus. Incluem também o reconhecimento da carne brasileira como produto de alto padrão, com excelência atestada por minuciosos testes sanitários. A isso o embaixador acrescenta que a rastreabilidade da carne brasileira, que antes era um ponto vulnerável, agora é um diferencial competitivo no mercado internacional.
Reconhecimento da carne brasileira
“Não que o Brasil precise disso, já que todos os outros importadores de carne brasileira estão bastante satisfeitos. No passado, a rastreabilidade era precária e houve crises, especialmente no comércio de carne bovina. Mas, agora, o Brasil tem o reconhecimento de que a sua carne passa pelos testes mais rigorosos de qualidade. A carne brasileira é de aceitação universal e, ao receber esse selo, o Brasil se coloca como um exemplo de confiança para os mercados internacionais”, disse o embaixador.
O anúncio de conclusão das negociações foi feito durante a LXV Cúpula do Mercosul, que foi realizada no Uruguai em dezembro e contou com a participação do presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT), além dos outros líderes do bloco. Entre alguns pontos do acordo, se sobressaiu a redução de tarifas comerciais, e a facilitação de investimentos para o setor agrícola, com a expectativa de se fortalecer o comércio bilateral, em um contexto geopolítico cada vez mais polarizado por China e Estados Unidos. Tal fortalecimento se torna mais relevante, considerando a postura protecionista adotada pelos Estados Unidos após a posse do presidente Donald Trump, em janeiro, quando o país passou a adotar políticas mais fechadas ao comércio internacional.
A oposição francesa e a política interna
Mesmo com expectativas positivas, o acordo ainda sofre resistências, em especial por oposição de produtores agrícolas da França. A alegação é a de que o tratado colocaria em risco milhares de empregos, ao permitir a entrada no país de produtos agrícolas que não atenderiam aos padrões ambientais e sanitários exigidos pela legislação francesa.
No ano passado, o Carrefour, uma das maiores redes de supermercados da França, chegou a anunciar que deixaria de comprar carne do Mercosul. No entanto, após forte repercussão negativa, a empresa recuou, o que ilustra as tensões internas na França em torno do impacto de um possível acordo.
Implementação
Para que o acordo entre em vigor, é necessário que se completem várias etapas burocráticas e legais. Do lado do Mercosul, exige-se a aprovação dos Parlamentos de Brasil, Argentina, Uruguai e Paraguai. A Bolívia, que entrou para o grupo em julho de 2024, ainda precisa concluir alguns quesitos para formalizar sua adesão.
Entretanto, o maior desafio reside na própria União Europeia, já que o acordo precisa do aval do Conselho de Ministros e do Parlamento Europeu, com sede em Bruxelas, na Bélgica. A França também tem trabalhado para barrar a aprovação no Conselho Europeu, tentando formar uma coalizão com países como Itália, Países Baixos e Áustria.