A informação trazida pelo jornal Zero Hora, através do repórter Fabio Schaffner, na última quinta-feira (31), sobre o indicativo dado pelo presidente Lula (PT) em relação às candidaturas do partido a governador e senador para as eleições de 2026 no Estado provoca uma forte repercussão no PT gaúcho.
Lula indicou que o presidente da Companhia Nacional de Abastecimento (Conab), Edegar Pretto (PT), será o candidato a governador – assim como ocorreu em 2022, quando ficou em terceiro lugar, tendo obtido 26,77% dos votos válidos – com o ministro da Secretaria de Comunicação, Paulo Pimenta (PT) concorrendo ao Senado.
O fato gerou insatisfação no diretório do PT gaúcho, um dos mais ortodoxos do país, pois o indicativo de Lula não passou pelo comando do partido no Rio Grande do Sul (RS).
Na política, mais importante do que interpretar a conjuntura é observar os movimentos do tabuleiro estrutural. É dentro desta perspectiva que esta análise está inserida. O primeiro aspecto importante é que a informação da Zero Hora sinaliza um recado do presidente Lula ao PT gaúcho, que tem optado por uma política de alianças isolacionista, dialogando apenas com parte da esquerda, ficando distante do centro.
Não por acaso, Lula determinou a ampliação da política de alianças. Além da manutenção do PSB e da tentativa de incorporação do PDT. O presidente deseja ainda que seja realizado um esforço para que PSD e União Brasil também sejam atraídos.
Em função do cenário nacional, é possível que o PSB esteja com o PT em 2026. Quanto às demais siglas, a negociação tende a ser complicada. O PDT, por exemplo, sempre teve candidatura própria a governador e nunca apoiou formalmente o PT no primeiro turno nas disputas ao Palácio Piratini. Um entendimento com PSD e União Brasil também é difícil, mesmo com o apoio do PT ao prefeito de Canoas, Jairo Jorge (PSD), e a coligação do ex-prefeito José Farret (União Brasil) com o também ex-prefeito Valdeci Oliveira (PT), em Santa Maria, nas eleições municipais de 2024.
É possível que a inflexão do PT gaúcho ao centro, defendida por Lula, tenha como objetivo principal o governador do Rio Grande do Sul (RS), Eduardo Leite (PSDB). Desde a semana passada, a Zero Hora tem revelado que o presidente deseja apoiar Leite ao Senado em 2026, mesmo que de forma informal.
Nas eleições de 2022, o apoio do PT teve uma grande importância para a reeleição de Eduardo Leite. Nas eleições municipais deste ano, o apoio de Leite e da prefeita de Pelotas, Paula Mascarenhas (PSDB), foi determinante para a vitória de Fernando Marroni (PT) na cidade. Por outro lado, o apoio dos petistas ao prefeito de Caxias do Sul, Adiló Didomênico (PSDB), foi fundamental para a reeleição do tucano no município.
Além disso, Eduardo Leite é o único governador das regiões Sudeste e Sul com quem Lula possui um diálogo mais construtivo. Todos esses fatores colocam Leite dentro do objetivo do projeto lulista para 2026.
Por outro lado, o apoio informal de Lula e do PT interessa a Eduardo Leite. Caso o governador seja candidato ao Senado, a disputa tende a ser acirrada, pois além de Paulo Pimenta, haverá uma candidatura bolsonarista no tabuleiro. Com duas vagas ao Senado em jogo, a composição com Leite também é vantajosa para Pimenta, dentro do objetivo de isolar o bolsonarismo. Vale lembrar que, desde 2002, sempre que houve a renovação de 2/3 do Senado, o PT sempre elegeu um senador no Estado – em todas as oportunidades, Paulo Paim foi eleito.
Entretanto, o movimento operado por Lula no tabuleiro estrutural não agrada aos setores ortodoxos do PT gaúcho, pois o partido faz oposição ao governo estadual, e a atuação política da esquerda petista tem como mote o enfrentamento a Eduardo Leite. Esta atuação rende, por exemplo, a eleição de petistas ao Poder Legislativo. Assim, a busca de Lula por uma composição com Leite em 2026, fragiliza a posição dos deputados federais e estaduais da esquerda petista que ancoram sua atuação na oposição a Leite.
Outro aspecto que chama atenção no indicativo de Lula é a antecipação da decisão. É possível que isso tenha ocorrido pela complexidade do desafio que envolve a formação da chapa do PT – e consequentemente do palanque de Lula no Estado em 2026.
Embora Edegar e Pimenta sejam os nomes naturais para a disputa de 2026, eles não pertencem à corrente Democracia Socialista (DS), uma das mais ortodoxas do PT gaúcho, e que possui força política no diretório estadual. Quando Lula indica quem serão os candidatos a governador e senador, e sinaliza a ampliação de alianças ao centro, a DS pode perder espaço. Uma interpretação possível é que a reação de líderes da DS – e também de parte da esquerda mais tradicional – seja movida pelo receio de perder espaços no partido.
A esquerda petista, representada pela DS, mais uma vez joga pensando na preservação de seus espaços de poder internos que na construção de uma estratégia eleitoral conectada aos novos tempos. A DS e o diretório estadual do RS não têm interesse, por exemplo, que a escolha dos candidatos a governador e senador ocorra sem a sua chancela, pois isso reduz a sua influência no processo.
Não por acaso, na última sexta-feira (1), a Zero Hora noticiou que, em uma nota interna divulgada ao partido, Pimenta afirmou que “os desafios do PT exigirão amplo diálogo interno para definições. Diálogo com todo mundo, incluindo o campo mais amplo da esquerda, além do PT. Não acho adequado esse debate nesse momento”.
Edegar Pretto, por sua vez, nas redes sociais, declarou que “o debate será feito pelas instâncias partidárias, com a participação de todos, no tempo e na forma adequada. Será um debate coletivo, com todas as forças do campo democrático”.
Observa-se que Pimenta e Preto, diante da reação do diretório estadual, buscaram, nas entrelinhas de suas manifestações, não “passar por cima” do diretório estadual. De outro lado, Preto e Pimenta não negaram a informação da Zero Hora sobre a definição das candidaturas, o que reforça o movimento alinhado com o Palácio do Planalto. Mesmo que eventualmente as posições de Pretto e Pimenta se invertam na chapa até 2026, é improvável que as opções do PT para 2026 ao Governo e Senado não passem por esses dois nomes.
Os movimentos de Lula e a reação da esquerda petista no RS mostram objetivos distintos quando olhamos para 2026, o que deve tensionar o partido no Estado. Lula corretamente compreendeu que a vitória do centro e da direita nas eleições municipais sinaliza que reposicionar o partido é condição necessária para o sucesso do projeto político lulista em 2026. Por isso, a aliança com Eduardo Leite, mesmo que informal, é importante para Lula. Entretanto, o PT gaúcho possui uma orientação mais à esquerda, conquista votos com essa posição, elege bancadas e controla parte importante da burocracia no Estado. Por isso, a inflexão ao centro encontra tamanha resistência.
Diante da diferença de posições entre Lula e o PT no RS, o diretório estadual tem, mais uma vez, o sinal de alerta aceso. Dependendo das decisões que tomar, principalmente se preservar a posição isolacionista dos últimos anos, poderá estar contratando uma nova derrota em 2026 no RS.
Os números sobre o desempenho eleitoral do PT gaúcho são eloquentes. Entre 2012 e 2024, o número de prefeituras conquistadas pelo PT caiu de 72 para 20. Em Porto Alegre, são 24 anos de derrotas eleitorais consecutivas. Nas últimas três eleições ao governo estadual, o partido foi derrotado em todas as disputas, sendo que nos dois últimos pleitos, sequer chegou ao segundo turno.
Nas últimas seis eleições presidenciais, foram quatro derrotas e apenas duas vitórias no RS, ambas com Lula. O único resultado positivo tem sido a eleição do senador Paulo Paim. Porém, suas vitórias têm ocorrido somente quando 2/3 do Senado é renovado. Nos pleitos em que houve a renovação de apenas 1/3 do Senado, o PT também colheu derrotas.