O ano de 2024 foi marcado por uma persistente polarização política e pelo avanço da judicialização, com o Judiciário assumindo um protagonismo crescente na dinâmica política e intensificando os conflitos entre os poderes. A crise de relacionamento institucional atingiu um novo patamar, dificultando ainda mais a governabilidade. Embora os índices de homicídios tenham apresentado queda, a expansão do crime organizado gerou uma sensação generalizada de insegurança. Na economia, o país registrou um crescimento relevante e uma taxa de desemprego historicamente baixa, mas a incerteza fiscal comprometeu a confiança do mercado. O governo, ao falhar na condução da política fiscal e gerar instabilidade em temas como a isenção do Imposto de Renda e a controversa regulamentação do PIX, viu sua credibilidade se deteriorar no fim do ano. Assim, um ciclo que poderia ter sido marcado por avanços terminou envolto em confusão, obscurecendo as expectativas para 2025.
Diante desse quadro, o Brasil inicia o novo ano enfrentando múltiplas crises interligadas. A crise institucional, resultado da deterioração da relação entre os poderes, permanece como um fator de instabilidade política. A crise de credibilidade econômica, agravada por tropeços na gestão fiscal e hesitações no ajuste das contas públicas, aumenta a percepção de risco entre investidores. Além disso, a falta de um projeto claro de governo e de uma base de sustentação consolidada evidencia uma gestão que começa o segundo tempo do mandato sem estratégia definida, sem equipe qualificada e com um significativo desgaste de popularidade. O governo Lula 3 entra em 2025 com uma base política fragmentada, um Congresso cada vez mais autônomo e uma governabilidade que depende de negociações pontuais e de concessões crescentes ao Centrão.
Para tornar o cenário ainda mais complexo, trata-se de ano pré-eleitoral, no qual a dinâmica política será fortemente influenciada pela corrida presidencial de 2026. A reforma ministerial anunciada pelo presidente Lula (PT) será um dos primeiros testes críticos da administração, com três cenários possíveis: um redesenho ministerial que fortaleça a coalizão governista; uma reforma tímida, que mantenha o status quo; ou um rearranjo que distribua cargos sem consolidar uma base política estável.
Problemas sem solução
Independentemente do modelo adotado, dois problemas fundamentais continuarão sem solução: a desarticulação interna do governo e a ausência de uma comunicação eficiente, que vá além do aumento de gastos com publicidade. Ainda que a reforma amplie espaços para aliados não petistas, a instabilidade política tenderá a persistir, especialmente porque o presidente evita liderar pessoalmente a articulação política. Em paralelo, os partidos do centro buscam consolidar alternativas viáveis para 2026, o que torna ainda mais difícil a construção de um projeto de poder sólido para o atual governo.
O ano político começará, de fato, com as eleições para as presidências da Câmara e do Senado, nas quais o deputado Hugo Motta (Republicanos-PB) e o senador Davi Alcolumbre (União-AP) foram eleitos, o que terá impacto direto sobre a governabilidade e redistribuirá forças no Congresso, limitando ainda mais a margem de manobra do Executivo. O governo, contudo, parece relutar em aceitar essa realidade e insiste em uma visão ultrapassada de hiper presidencialismo que já não encontra espaço na atual dinâmica política.
Com um Legislativo cada vez mais independente, dominando a agenda econômica e o Orçamento, a gestão Lula precisará demonstrar uma habilidade política ainda não evidenciada para evitar derrotas sucessivas. A partir de julho, a sucessão presidencial passará a moldar ainda mais o cenário político, com pesquisas eleitorais frequentes que medirão a viabilidade de uma reeleição. O governo tem investido no reforço da Secretaria de Comunicação (Secom) tendo em vista 2026, mas há sinais de que a estratégia adotada está excessivamente focada na base militante. Se essa abordagem for mantida, será um erro grave. Eleições não se ganham apenas com o apoio do núcleo ideológico, mas com o convencimento de um eleitorado mais amplo e moderado. Lula corre o risco de repetir o erro do ex-presidente Jair Bolsonaro (PL), que acreditou que sua base “raiz” seria suficiente para garantir a reeleição.
Paralelamente, os candidatos que despontarem nas pesquisas serão alvo de intensas articulações políticas e de estratégias de fortalecimento. No entanto, os grandes partidos – PP, PSD, MDB e até o PL – continuarão priorizando o fortalecimento de suas bancadas e investindo em alianças regionais para garantir o acesso a recursos partidários e eleitorais. A lógica das eleições proporcionais seguirá determinando o jogo político, com candidatos em busca de partidos e não o contrário. A direita e o centro entram em 2025 sem um nome natural para a sucessão, dado que Bolsonaro estará inelegível. Embora o governador de São Paulo, Tarcísio de Freitas (Republicanos), seja uma opção forte, sua candidatura presidencial está condicionada a fatores fora de seu controle, e a alternativa mais segura para ele pode ser disputar a reeleição no estado. Dessa forma, a fragmentação do campo oposicionista facilitaria o caminho para Lula, caso ele consiga consolidar sua posição até 2026.
No segundo semestre, à medida que a disputa por 2026 se intensifique, os desafios econômicos também devem aumentar. Se a economia não demonstrar sinais concretos de recuperação, crescerá a pressão por medidas populistas voltadas para a manutenção da base política do governo. O equilíbrio entre responsabilidade fiscal e política distributivista se tornará cada vez mais frágil, e a gestão Lula precisará de um plano eficiente para evitar um desgaste maior. A condução da política fiscal será determinante para definir os rumos do país, e a falta de clareza em torno do plano econômico poderá aprofundar a crise de confiança. A trajetória de 2025 será decisiva não apenas para o futuro imediato do governo, mas também para as condições gerais da eleição presidencial. O Brasil, mais uma vez, caminha para um ano de escolhas difíceis, em que a ausência de um caminho predefinido pode custar caro.
O cenário global adiciona camadas extras de incerteza à equação. A escalada das tensões entre Estados Unidos e China impacta diretamente as exportações brasileiras, enquanto medidas protecionistas de grandes economias pressionam os preços das commodities. No plano interno, a perda de credibilidade fiscal já se reflete na desvalorização cambial, que opera acima de R$ 6,00, alimentando a inflação e dificultando o financiamento de investimentos públicos e privados. A ausência de uma política externa pragmática e a falta de clareza nas diretrizes econômicas tornam o Brasil menos previsível e aumentam a cautela dos investidores internacionais.
Diante desses desafios, o governo entra em 2025 sem rumo explícito, sem agenda estabelecida, sem unidade política e sem uma narrativa capaz de resgatar sua credibilidade. Além disso, enfrenta restrições fiscais severas e uma baixa capacidade de governar sem amplos recursos orçamentários, o que explica o conflito aberto com o Congresso pelo controle das verbas discricionárias. A economia mostra sinais de retração, o Tesouro Nacional paga juros elevados, as projeções do mercado são pessimistas e o governo parece incapaz de reverter as expectativas negativas. Mesmo que alguns fatores melhorem ao longo do ano, a desconfiança que marcou a virada de 2024 para 2025 já afetou as projeções e pode comprometer os resultados do período.
Ainda assim, algumas oportunidades podem mitigar os impactos da crise e criar condições para uma recuperação econômica. A possibilidade de ajustes fiscais adicionais pode melhorar a credibilidade do país, restaurando a confiança dos investidores e imprimindo maior previsibilidade ao mercado. A valorização do dólar, por sua vez, favorece setores estratégicos como o agronegócio e a mineração, tornando os produtos brasileiros mais competitivos no mercado internacional e impulsionando o superávit comercial. Esses fatores, se bem aproveitados, podem amenizar os efeitos negativos do ambiente macroeconômico e contribuir para um crescimento mais sustentável.
Outro elemento favorável é o dinamismo da construção civil, que segue em expansão e gera empregos diretos e indiretos, estimulando o consumo interno. O avanço da maturação das concessões de infraestrutura também representa uma oportunidade relevante, fortalecendo setores, como transporte e logística, modernizando a malha viária e aumentando a eficiência dos comércios interno e externo. Essas iniciativas, quando combinadas com um ambiente regulatório mais previsível e uma maior coordenação entre os setores público e privado, podem garantir investimentos de longo prazo e melhorar a competitividade do Brasil.
Se bem exploradas, tais oportunidades podem permitir que a economia brasileira sustente um crescimento próximo a 2% ao longo de 2025, apoiado pela resiliência do setor privado, que continua inovando e se adaptando às adversidades. O grande desafio do governo será aproveitar essas possibilidades sem comprometer a responsabilidade fiscal e sem recorrer a medidas paliativas que apenas adiem problemas estruturais. Fazer cenários prospectivos exige reconhecer que a incerteza é a única constante. No Brasil, onde a política e a economia frequentemente desafiam previsões lógicas, a imprevisibilidade se torna ainda mais evidente. Como bem pontuou Delfim Netto, o país tem a capacidade de caminhar até a beira do abismo, olhar para baixo e dar alguns passos atrás para evitar a queda. Essa resiliência, no entanto, não significa que a travessia será indolor. Diante das atuais circunstâncias, uma recuperação substancial parece depender de uma deterioração ainda mais expressiva das perspectivas antes que ocorra alguma inflexão positiva.
A realidade impõe limites severos à capacidade de transformação do governo. A fragmentação política, a ausência de um projeto estruturado e a fragilidade da base de apoio no Congresso reduzem drasticamente a possibilidade de reformas profundas. A disputa constante pelo controle do Orçamento, a necessidade de equilibrar interesses conflitantes e a falta de uma estratégia límpida tornam improvável qualquer avanço sólido. Nesse contexto, o Brasil parece condenado a um cenário de mediocridade gerencial e reformismo de baixo impacto. Pequenos ajustes podem ocorrer, mas dificilmente serão suficientes para inverter a trajetória de estagnação econômica e degradação institucional que se desenha para os próximos anos.
Assim, o mais provável é que o país continue oscilando entre momentos de alívio e novas crises, sem mudanças estruturais capazes de romper o ciclo de crescimento anêmico e de instabilidade política. O governo seguirá administrando crises, evitando colapsos imediatos, mas sem construir as bases para um desenvolvimento sustentável de longo prazo. A recuperação, quando vier, será mais fruto das circunstâncias do que de um plano bem executado. O Brasil, como tantas vezes em sua história, seguirá em frente mais pela força de sua sociedade e do setor privado do que pela competência de seus governantes.