A derrubada na Câmara da MP que taxaria títulos isentos (MP nº 1.303/25), que perdeu vigência antes de ter seu mérito votado, impõe ao Executivo a necessidade de um rápido replanejamento fiscal. A proposta, que previa a unificação da tributação de aplicações financeiras e o aumento da CSLL para instituições financeiras, era vista no Ministério da Fazenda como peça central para o equilíbrio das contas, com uma arrecadação estimada em R$ 17 bilhões para 2026 após mudanças feitas pelo relator (o texto original previa R$ 21 bilhões), deputado Carlos Zarattini (PT-SP).
A MP era descrita pela Fazenda como essencial para atingir as metas fiscais do próximo ano, que deve ser marcado pelo desaquecimento da atividade econômica. Essa percepção de uma economia mais lenta é corroborada pela queda recente na arrecadação tanto da União quanto dos estados, e pelos possíveis efeitos da manutenção da taxa Selic em alta. Assim, o governo tem quatro opções principais já cogitadas por seus líderes.
1 – Apresentação de novos projetos: Diante da impossibilidade de reeditar a matéria por meio de nova MP no mesmo ano, o governo tem um leque restrito de alternativas. Segundo o líder no Congresso, senador Randolfe Rodrigues (PT-AP), o governo avalia enviar um projeto de lei (PL) em regime de urgência constitucional. A adoção dessa via, contudo, tem o tempo como principal inimigo. Na teoria, a urgência constitucional poderia forçar uma análise, ao trancar a pauta. O trancamento daria o prazo de 45 dias para deliberação na Câmara e outros 45 no Senado. Contabilizando o recesso parlamentar, que deve ir de 22 de dezembro a 2 de fevereiro, a análise poderia ser adiada para março de 2026.
Vale lembrar que o conteúdo da MP nº 1.303/25 era amplo, contendo trechos que poderiam obter apoio suficiente para aprovação, se apresentados à parte. É o caso do regime de regularização das bets, que pode arrecadar R$ 5 bilhões em três anos, e os cortes e o remanejamento de recursos, como as mudanças no seguro-desemprego para pescadores artesanais, na Compensação Previdenciária (Comprev) e nos critérios de concessão do auxílio-doença dos segurados do INSS.
2 – Aumento do IOF: A Fazenda também mantém em seu “arsenal de alternativas” (nas palavras de Randolfe) uma nova elevação do Imposto sobre Operações Financeiras (IOF), que pode ser majorado por decreto presidencial. Seria uma solução mais rápida, mas politicamente mais custosa. A decisão do Supremo Tribunal Federal (STF), que manteve boa parte do último aumento no IOF, contrariando o Congresso, daria maior segurança ao governo de que a decisão seria mantida. A título de recordação, o STF apenas concordou com o Congresso na derrubada da incidência do IOF sobre o risco sacado. Todo o restante do aumento continuou válido. Por outro lado, um novo aumento do imposto seria uma afronta direta ao Legislativo, que já se mostrou totalmente contrário à ideia.
3 – Inserção em outro projeto já tramitando: Uma possibilidade aventada seria incorporar o conteúdo da MP rejeitada em um projeto de lei que já tramita no Congresso. A principal opção seria o PL que reajusta a tabela do Imposto de Renda (PL nº 1.087/25), atualmente em tramitação no Senado. A manobra, no entanto, pode encontrar algumas dificuldades. Adversário político do relator da mesma proposta na Câmara, deputado Arthur Lira (PP-AL), o relator no Senado, senador Renan Calheiros (MDB-AL), já sinalizou que pretende evitar alterações de mérito que forcem o retorno do texto aos deputados, onde, segundo ele, a pauta legislativa se tornou alvo de chantagem. O senador alagoano estima aprovar o projeto em até 30 dias, focalizando emendas de redação ou supressões, o que torna a inclusão de um tema tão complexo uma opção de difícil execução. Poderia até mesmo atrapalhar a aprovação do projeto, que concretiza uma das principais promessas de campanha de Lula. Questionado, Calheiros disse não ter estudado ainda a possibilidade de absorção do texto.
Além disso, vale destacar que o simples reenvio, ou inserção em outro projeto, não faria as propostas de taxação de investimentos obterem mais apoio no Congresso. Isso porque o pano de fundo para a derrota do governo é a antecipação da corrida eleitoral de 2026. Figuras da oposição, como o governador de São Paulo, Tarcísio de Freitas (Republicanos), atuaram diretamente para minar o apoio à medida, visando impedir que o governo tenha mais recursos em ano eleitoral. Para muitos parlamentares, aprovar novas fontes de arrecadação significaria fortalecer o presidente Lula (PT) para uma eventual campanha à reeleição. Mesmo no PSD e no MDB, partidos mais próximos do governo Lula, não houve maioria a favor da MP. Assim, a dificuldade política deve persistir.
4 – Mudança de foco: Ainda que improvável, há a opção de o governo deixar a taxação de investimentos de lado e mirar outras prioridades. Na Fazenda, outra proposta tem o status de fundamental para o cumprimento do arcabouço fiscal em 2026: a revisão dos benefícios fiscais, contida nos Projetos de Lei Complementar nº 41/19 e nº 182/25. O secretário-executivo do Ministério da Fazenda, Dario Durigan, afirmou que a proposta do governo que corta em 10% benefícios fiscais deve gerar uma arrecadação de R$ 19,6 bilhões. Em entrevista coletiva para apresentar o Orçamento de 2026, o secretário disse que o texto do projeto já está sendo discutido com os presidentes da Câmara e do Senado.