Em meio ao acirramento do embate político com o Congresso Nacional, consequência da derrubada do decreto que aumentava as alíquotas do Imposto sobre Operações Financeiras (IOF), o governo Lula conseguiu construir uma narrativa com potencial de se transformar no novo slogan do governo federal e ser o mote da campanha de Lula (PT) à reeleição em 2026.
Desde a significativa derrota no Congresso na votação que derrubou o decreto do IOF, o Palácio do Planalto partiu para a ofensiva. Assim, o PT, utilizando Inteligência Artificial, criou vídeos com o slogan “Taxação BBB: Bilionários, Bancos e Bets”, defendendo uma maior tributação aos super-ricos, para que os pobres paguem menos imposto, em nome da “justiça social”.
Por meio desses vídeos, o PT agendou o debate “ricos x pobres”, que animou a militância da esquerda nas redes sociais, aquecendo a base petista contra o Congresso. Ativistas digitais ligados ao governo intensificaram nas mídias os ataques contra os parlamentares e a chamada “elite financeira”.
Nos vídeos, o Congresso foi identificado como “o inimigo do povo”. Os conteúdos foram criados no TikTok, através do perfil “Brasil – Sátira do Poder”, no qual o presidente da Câmara, deputado Hugo Motta (Republicanos-PB), é referido como “Hugo nem se importa”. Em um dos vídeos, homens engravatados estão em uma mesa de bar querendo pagar menos que outras pessoas, embora tenham consumido champanhe, caviar e lagosta.
Uma pesquisa realizada pelo instituto Quaest no X, Instagram, Facebook, YouTube e sites de notícias apontou que 61% das menções nas redes sociais sobre o aumento do IOF foram críticas ao Congresso. Apenas 11% atacaram o governo. 28% das menções foram neutras. As menções a Lula foram 45% positivas, 31% negativas e 24% neutras.
Segundo a Quaest, o volume médio de 18 mil menções por hora sobre o tema superou as denúncias de fraudes no INSS (15 mil menções/hora) e a abertura do inquérito sobre a tentativa de golpe de 2022 (10 mil menções/hora).
A mobilização nas redes sociais, ativada por esses conteúdos, animou o Planalto. Não por acaso, durante as comemorações do chamado Dia da Independência da Bahia, em 2 de julho, Lula desfilou em carro aberto segurando o cartaz “Taxação dos Super-Ricos”. A defesa dessa bandeira, além de fornecer uma narrativa ao governo, conecta-se com a história política do presidente.
O engajamento gerado pela estratégia governista poderá provocar a substituição do atual slogan, “União e Reconstrução”, para uma mensagem em defesa da “Justiça Social”. Além da bandeira da taxação de grandes fortunas, o foco do governo para fortalecer o novo slogan inclui a aprovação da isenção do Imposto de Renda (IR) para quem ganha até R$ 5 mil por mês, num aceno à classe média. Com esse mote, devemos ter um Lula mais sintonizado com a agenda de cunho popular, ancorado no discurso da redução da desigualdade.
Com o objetivo de amenizar o desgaste provocado pela narrativa da oposição de que a gestão Lula seria “taxadora”, o Planalto poderá direcionar o debate para o mantra “taxação para quem?”, tentando desconstruir o discurso que a oposição vem conseguindo emplacar desde dezembro do ano passado em relação ao governo federal.
Mesmo que o governo tenha encontrado um discurso, o debate “ricos x pobres” apresenta limitações. Além de a classe média também ser impactada por tributações como o aumento do IOF – e não apenas os super-ricos, como afirma o discurso governista – e estar mais fragmentada do que no passado, o aquecimento da militância de esquerda poderá colar em Lula um rótulo de radicalismo, aumentando sua rejeição. Ações como a invasão do Banco Itaú, na Faria Lima, em São Paulo, na última quinta-feira (03), por parte de movimentos sociais ligados ao PSOL, repercutiram negativamente na opinião pública.
Além disso, ao realizar uma guinada à esquerda na reta final de seu mandato, e tendo o Congresso como alvo, o governo poderá dificultar o avanço das matérias econômicas de seu interesse. No entanto, como Lula está no “modo campanha”, a aposta será manter suas bases sociais aquecidas nas redes e também nas ruas. O deputado federal Guilherme Boulos (PSOL-SP), cotado para assumir a Secretaria-Geral da Presidência da República, convocou para a próxima quinta-feira (10) um ato em favor da taxação dos super-ricos na Avenida Paulista.
Para manter as bases sociais de esquerda mobilizadas, poderão ocorrer medidas como o veto presidencial ao aumento do número de deputados, deixando para o Congresso o eventual ônus de ter de derrubar o veto. Também poderá retornar para a agenda o debate envolvendo o fim da jornada de trabalho 6×1.
Ainda que a temperatura do debate político aumente, como Lula dificilmente conseguirá obter o apoio do Centrão em 2026, e como também dificilmente o comportamento do Congresso em relação ao governo deverá melhorar muito, Lula beneficia-se da narrativa da justiça social. Poderá, no limite, ganhar, sim, alguns pontos em sua aprovação. Entretanto, isso não deverá reverter o saldo de popularidade negativo do presidente, nem mesmo ajudar Lula a ganhar apoios além do eleitorado petista tradicional.