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Análise: Encontro entre Lula e Trump

O principal resultado foi uma trégua tarifária

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O encontro neste domingo (26) entre o presidente Donald Trump e o presidente Lula (PT) em Kuala Lumpur, na Malásia, começou sob o peso de uma crise tarifária e terminou com um tom inesperadamente calmo e pragmático. O que se previa como mais um confronto entre dois líderes de estilos opostos acabou resultando em uma tentativa mútua de aliviar tensões e estabelecer um novo canal de diálogo entre as duas maiores economias do hemisfério. Sem gestos espetaculares nem retórica inflamada, o encontro representou um raro momento de moderação entre um populista conservador e um pragmático de esquerda.

O principal resultado foi uma trégua tarifária. Trump concordou em suspender temporariamente novos impostos sobre o aço, o etanol e a carne brasileira, enquanto Lula se comprometeu a revisar subsídios à exportação e manter as conversas abertas. A criação de um “roteiro para normalização tarifária” sinaliza a intenção de ambas as partes de conter a escalada, estabilizando preços e dando tempo para que os setores produtivos de cada país se ajustem.

Outro destaque foi a ênfase de Lula na questão dos minerais estratégicos. O presidente brasileiro apresentou as reservas de lítio, nióbio e terras-raras do Brasil como parte de uma alternativa confiável à dependência dos Estados Unidos em relação à China. A proposta resultou na criação de um grupo de trabalho bilateral que ligará o Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social (BNDES) à Corporação Financeira de Desenvolvimento dos Estados Unidos (DFC). Para o Brasil, o acordo representa a possibilidade de novos investimentos e geração de empregos; para Washington, é uma oportunidade de reduzir a influência chinesa nas cadeias globais de fornecimento.

Segundo o portal Infomoney, a decisão mais inesperada foi a formação de uma força-tarefa bilateral destinada a construir as bases de um acordo econômico mais amplo. O grupo trabalhará na harmonização de procedimentos comerciais, na simplificação aduaneira e na exploração de novas áreas de cooperação, como agricultura e serviços digitais. Ainda não se trata de um tratado de livre comércio, mas de um passo concreto na direção de um entendimento mais estável. Lula classificou o esforço como “uma ponte que substitui ameaças por diálogo”, e Trump, em um tom incomum de moderação, afirmou que “o acordo virá em breve”.

O tema da Venezuela também entrou na pauta. Lula sugeriu usar os canais diplomáticos brasileiros para facilitar a comunicação indireta entre Washington e Caracas. Trump não se comprometeu publicamente, mas fontes próximas indicaram que ele demonstrou interesse em testar uma mediação conduzida pelo Brasil, caso isso ajude a estabilizar fluxos migratórios e solucionar a questão energética na região. A proposta recoloca o Brasil em um papel de liderança diplomática na América do Sul e oferece aos Estados Unidos uma forma de manter opções abertas sem custos políticos imediatos.

Apesar das diferenças ideológicas, a reunião foi marcada por um tom de cooperação pessoal. Trump elogiou Lula como “um líder que sabe fazer acordos”, e o brasileiro retribuiu, dizendo respeitar “a abertura” do americano. Cada um sai de Kuala Lumpur com algo para mostrar internamente: Trump com a imagem de negociador pragmático; Lula, com a de estadista capaz de dialogar até com adversários.

O encontro não redefiniu a política global, mas alterou o clima de uma das relações mais complexas do continente. Nenhum dos dois presidentes resolveu seus impasses, mas ambos criaram mecanismos para administrá-los. O que tornou a reunião relevante não foi o que assinaram, mas o que não aconteceu: não houve escalada, nem provocações, nem ruptura. Em um cenário internacional de tensões constantes, o simples fato de prevalecer o diálogo já pode ser considerado um avanço.

Autor

  • Thiago de Aragão é diretor de estratégia da Arko Advice e assessora diretamente dezenas de fundos estrangeiros sobre investimentos no Brasil e Argentina. Sociólogo, mestre em Relações Internacionais pela SAIS Johns Hopkins University e Pesquisador Sênior do Center Strategic and International Studies de Washington DC, Thiago vive entre Washington DC, Nova York e Brasília. Twitter: @ThiagoGdeAragao

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