Além de gerar uma forte reação do setor privado, o governo Lula reabriu uma antiga crise com o Congresso ao editar o decreto que eleva o IOF sobre seguros, crédito e câmbio. O verbo está correto: “reabrir”. Isso porque não é de hoje que os parlamentares alertam que o governo precisa estar mais atento aos humores no Congresso antes de tomar decisões polêmicas. O Palácio do Planalto fica a menos de 300 metros da Câmara e do Senado e, mesmo assim, insiste no erro de agir por conta própria, em vez de atravessar uma faixa de pedestres para negociar com deputados e senadores.
Se o decreto do IOF for realmente derrubado, ou o governo for obrigado a recuar, não será a primeira vez que uma derrota relevante ocorrerá por falta de diálogo prévio. Em julho de 2023, o presidente Lula (PT) teve de recuar de um decreto sobre o setor de saneamento. O texto previa que empresas estaduais prestassem serviço em áreas metropolitanas, aglomerados urbanos e microrregiões sem necessidade de licitação. Na prática, Lula tentava manter as estatais de saneamento em jogo, ainda que sem licitação nem comprovação de capacidade financeira. O setor privado reagiu, o Congresso passou semanas demonstrando descontentamento e, no final, o presidente retirou trechos do decreto para evitar derrotas maiores.
Quatro meses depois, veio o “strike dois”. O Ministério do Trabalho publicou um decreto revogando a autorização permanente para trabalho nos feriados e domingos. Seria retomada a exigência de decisão em convenção coletiva para esse tipo de jornada. A Câmara ameaçou derrubar o decreto e, para evitar uma derrota, o ministério adiou a mudança da regra para julho de 2025 – prazo que se aproxima e pode provocar um novo atrito com o Congresso.
Em 2024, “strike três”: Lula editou a medida provisória que impunha restrições à compensação de créditos das contribuições ao PIS/Pasep e à Cofins. Era uma alternativa à manutenção da desoneração da folha de pagamento para 17 setores. Mas a notícia gerou revolta entre os agentes econômicos e, consequentemente, entre parlamentares. Dessa vez, coube ao então presidente do Congresso, Rodrigo Pacheco (PSD-MG), reagir. Ele devolveu parcialmente a MP após uma mobilização que contou com a ação conjunta de 26 frentes parlamentares.
Assim, com o decreto do IOF, Lula chega à quarta crise gerada por medidas unilaterais. E a paciência do Congresso parece estar acabando. Se, no início do governo, Lula via o senador Davi Alcolumbre (União-AP) como um aliado próximo, agora coube justamente a Alcolumbre, presidente da Casa desde fevereiro, dar o ultimato. “Que este exemplo do IOF, dado pelo governo federal, seja o último daqueles e daquelas decisões tomadas pelo governo tentando, de certo modo, usurpar as atribuições legislativas do Poder Legislativo”, declarou. Segundo o senador, “fizeram e tomaram uma decisão unilateral que dá direito ao Parlamento de tomar uma decisão unilateral de colocar em votação o projeto de decreto legislativo”.