A indicação de Jorge Messias para a vaga existente no Supremo Tribunal Federal (STF) detonou um abalo sísmico na arquitetura política que sustenta o governo Lula desde o início do mandato. Até então, Executivo, Senado (sob a liderança de Davi Alcolumbre) e STF formavam uma espécie de coalizão tácita de poder. Essa engrenagem garantiu relativa estabilidade institucional, ajudou a conter crises e proporcionou ao Executivo uma governabilidade acima do que sua base parlamentar, fragmentada e instável, permitiria em condições normais. Com a ruptura entre o Planalto e Alcolumbre, o equilíbrio começa a ruir.
O arranjo, contudo, nunca foi isento de tensões. Ao longo do mandato, o governo Lula empreendeu uma ofensiva sistemática contra a Câmara dos Deputados, utilizando o STF como instrumento de pressão e contenção. Nessa estratégia, o Senado frequentemente atuou como aliado do Executivo e do Supremo, a ponto de parlamentares da Câmara acusarem a Casa de Alcolumbre de ter se tornado um “puxadinho do STF”. A percepção de subordinação ao Judiciário corroeu a imagem de independência do Senado e alimentou ressentimentos que agora emergem com força renovada.
O mal-estar deflagrado com a indicação de Jorge Messias é profundo. Alcolumbre esperava ser consultado previamente, em nome do respeito à liturgia institucional que, no Senado, costuma ser tão importante quanto o mérito do indicado. A escolha foi interpretada como desconsideração política e, para muitos, como provocação. O senador, até então um aliado transversal do governo e interlocutor valioso junto ao STF, respondeu de forma dura, sinalizando que a sabatina seguirá “nos ritos normais”, frase que, em Brasília, costuma significar exatamente o contrário: não haverá facilidades.
A irritação de Alcolumbre desencadeia efeitos que vão muito além da votação de Messias no Senado. O senador é peça central na relação com o Supremo, pois vem articulando há anos uma sintonia fina com ministros como Alexandre de Moraes e Gilmar Mendes. Essa ponte informal, mas poderosa, ajudou a resolver tensões, calibrar decisões sensíveis e, em muitos momentos, amortecer choques entre Executivo e Judiciário. Ao se deteriorar a relação com Alcolumbre, o governo perde não apenas um operador no Senado, como também um canal estratégico com setores influentes do STF. A tríade que sustentava o ambiente político começa, assim, a se desfazer.
O impacto mais imediato dessa situação recai sobre a agenda fiscal. O governo depende crucialmente de votações no Senado e na Câmara para avançar em medidas como o corte linear de 10% dos benefícios fiscais, as mudanças no JCP, a tributação das apostas (“bets”) e a revisão de incentivos setoriais. Sem o amparo político de Alcolumbre, cada uma dessas pautas enfrenta resistência ampliada, maior custo de negociação e riscos reais de derrota. Some-se a isso o poder do Senado de destravar votações de vetos presidenciais que, uma vez pautados, podem ser derrubados e impor derrotas significativas ao Palácio do Planalto.
A fragilização da coalizão também expõe o governo a mais imprevisibilidades nas relações com o Judiciário. A dinâmica entre Executivo e STF, que vinha funcionando de forma relativamente estável, pode ser afetada, caso ministros interpretem a crise como um enfraquecimento do ambiente político que sustentava a cooperação indireta entre os Poderes. Em outras palavras, se o Senado endurecer com Messias e o STF recalibrar sua postura, o governo pode se tornar refém de decisões judiciais em temas sensíveis, justamente num momento em que precisa de segurança institucional para conduzir ajustes fiscais e enfrentar pressões orçamentárias.
O episódio revela ainda um problema estrutural: a governabilidade não depende apenas da relação direta entre governo e Congresso, mas também de arranjos informais que envolvem lideranças políticas, institucionais e judiciais. Quando um desses pilares se desfaz, todo o edifício fica vulnerável. É o que acontece agora. A coalizão Governo–STF–Senado não era formal, no entanto funcionava como o eixo de gravidade da política nacional. Com sua corrosão, abre-se um período de incertezas, no qual agendas estratégicas podem travar, vetos podem cair e decisões judiciais podem ganhar peso desproporcional no processo político.
A ruptura simbólica entre Lula e Alcolumbre é, portanto, mais do que um atrito circunstancial. É a primeira rachadura visível de um arranjo que vinha garantindo previsibilidade a um governo que nem sequer possui maioria orgânica no Congresso. A crise não está plenamente dimensionada, mas seus efeitos já são nítidos: aumento do custo político, risco de derrotas fiscais, perda de operacionalidade legislativa e um STF potencialmente colocado em posição desconfortável.
Se não houver recomposição, o governo entrará em 2026 mais frágil do que entrou em 2025. E, em Brasília, a fragilidade raramente viaja sozinha: atrai conflito, incerteza e paralisia. É esse o cenário que se desenha com o desmonte da coalizão que, até agora, segurava o governo de pé.

