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Análise: Brasil projeta poder na Amazônia com inédita mobilização militar

Megaoperação inédita concentra esforços na fronteira amazônica

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A Amazônia, considerada o coração geopolítico do Brasil, tornou-se o epicentro da maior operação militar conjunta já realizada no território nacional: a Operação Atlas. Com caráter inédito, a ação mobiliza mais de 30 mil militares das três Forças Armadas, integrando capacidades terrestres, fluviais, aéreas e cibernéticas numa demonstração inequívoca de soberania e poder dissuasório.

Mas por que na Amazônia?

A grandiosidade da região amazônica é inquestionável. Sua área ostenta a maior biodiversidade do mundo, com a maior floresta tropical do planeta; lá estão o maior banco genético e a maior província mineralógica do mundo, além de 1/5 de toda a água doce do planeta (dos 30 maiores rios mundiais, 15 estão na Amazônia); para o Brasil, são 2/3 de suas reservas hidrelétricas.

Quando se fala de sua bacia hidrográfica, são mais de 25 mil quilômetros de rios navegáveis. É verdadeiro afirmar que na Amazônia “os rios são as suas estradas”, sendo eles a base de todo o sistema de articulação regional. As comunidades vivem em função dos rios, sendo enormemente influenciadas pelo regime das águas (cheia e vazante).

Apesar da grandeza territorial, a população da Amazônia corresponde a aproximadamente 10% do total da população brasileira, caracterizando um enorme vazio demográfico (se pode até dizer “vazio de poder”), com aglomerados populacionais apenas nas maiores cidades da região.

Ao se olhar para os aproximadamente 12 mil km de fronteira amazônica com sete países sul-americanos, de imediato se observa um sem-número de problemas que impactam o Brasil e seus grandes centros urbanos como um todo: narcotráfico; tráfico de armas e de animais silvestres; contrabando e descaminho; imigração, garimpo e pesca ilegais; desmatamento e extração ilegal de madeiras; pistas de pouso clandestinas etc.

O que é a Operação Atlas?

Sob a coordenação do Ministério da Defesa, a operação se desdobra em fases — planejamento, deslocamento estratégico e simulação de combate real — e tem como foco a região amazônica, com epicentro nas cidades de Belém (PA) e Manaus (AM). Trata-se de um exercício que vai além do adestramento: representa a capacidade do Brasil, um país de dimensões continentais, de projetar força em regiões remotas, enfrentando desafios logísticos extremos e ameaças difusas.

Entre os destaques da operação está o deslocamento do sistema ASTROS, um dos mais avançados lançadores múltiplos de foguetes do mundo, com alcance de até 300 km, de fabricação nacional pela Avibras. As viaturas foram enviadas pela 1ª Bateria de Mísseis e Foguetes do 16º Grupo de Mísseis e Foguetes (GMF), sediada em Formosa (GO), atravessando milhares de quilômetros por terra e por rios até alcançar a região amazônica. É a primeira vez que esse sistema é integrado de forma realista a um teatro de operações na selva.

Por falar na Avibras, essa empresa brasileira do setor Defesa enfrenta uma grave crise financeira e está em recuperação judicial desde 2022. Arrisco a dizer que, juntamente com a Embraer, a Avibras é um dos ícones do setor. Mantê-la viva e em operação deveria ser um dos objetivos de uma nação que sonha em ser uma potência dissuasória.

Além do ASTROS, participam da operação unidades especializadas como a 23ª Brigada de Infantaria de Selva, sediada no estado do Pará, o 54º Batalhão de Infantaria de Selva, aquartelado em Humaitá (AM), o Centro de Adestramento da Amazônia, batalhões de operações ribeirinhas da Marinha do Brasil, unidades de comunicações e guerra eletrônica, além de aeronaves da Força Aérea Brasileira. A interoperabilidade entre essas forças, uma demanda cada vez mais essencial nos dias atuais, é um dos principais objetivos da operação.

Outro diferencial é o uso de sistemas de comando e controle com proteção cibernética, coordenados pelo Comando Militar da Amazônia, com sede em Manaus (AM), e testados em campo em tempo real. A Operação Atlas reforça não apenas a defesa territorial, mas também a capacidade do Estado brasileiro de atuar em múltiplos domínios de conflito simultaneamente – físico, informacional e digital.

Sem renunciar à vertente operacional, não há como desconsiderar a necessidade de levar dignidade às comunidades amazônicas que muitas vezes são abandonadas pelo poder público em todas as esferas. Assim, a realização de atendimentos médicos e odontológicos, distribuição de medicamentos, procedimentos preventivos diversos, ações de desenvolvimento, de lazer e bem-estar, e culto ao civismo certamente estarão presentes na última fase da Operação Atlas.

O momento da operação também é estratégico. Parte dos meios permanecerá posicionada na Amazônia como força de prontidão para a COP30, que ocorrerá em Belém (PA), em novembro de 2025. Isso amplia a visibilidade internacional da atuação brasileira na região, em um cenário marcado por pressões externas e disputas ambientais que muitas vezes desafiam a soberania nacional.

A Operação Atlas é, portanto, mais que um exercício militar. É uma demonstração de capacidade nacional, de dissuasão e de prontidão. Em um contexto global em que a guerra já se manifesta de forma híbrida e descentralizada, o Brasil mostra que está preparado para enfrentar os desafios do século XXI sem abrir mão da integridade de seu território, apesar das claras limitações orçamentárias.

Autores

  • Daniel Tavares: Coronel (reserva) do Exército Brasileiro, analista militar na Arko Advice. Formado na Academia Militar das Agulhas Negras e mestre em Ciências Militares com especialização em Política, Estratégia e Alta Administração. Experiência no Gabinete do Comandante do Exército, chefiou a Divisão de Inteligência do Centro de Inteligência do Exército. Também atuou como analista de informações na Missão das Nações Unidas no Haiti e comandou o 10º Batalhão de Infantaria Leve (Montanha) em Juiz de Fora, MG.

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  • General (reserva) do Exército Brasileiro, analista militar na Arko Advice. Formado na Academia Militar das Agulhas Negras e mestre em Ciências Militares e Planejamento Estratégico. Experiência no Gabinete do Comandante do Exército; comandou a 3ª Bateria de Lançadores Múltiplos de Foguetes em Cruz Alta, RS, o 17º Grupo de Artilharia de Campanha em Natal, RN, e a Comissão Brasileira do Exército em Washington, EUA. Como general, comandou a 17ª Brigada de Infantaria de Selva em Porto Velho, RO, e foi Subchefe de Logística e de Operações no Ministério da Defesa. Na reserva, foi Diretor de Governança, Estratégia e Segurança dos Correios.

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