A participação do presidente Lula (PT) na cerimônia de 80 anos da vitória da ex-União Soviética contra a Alemanha nazista na Segunda Guerra Mundial, no sábado (09), na Rússia, e a viagem à China para participar do IV Fórum China-Celac, nos dia 12 e 13, geram reflexões sobre os movimentos do Brasil no cenário geopolítico. Participaram da cerimônia representantes de países como Azerbaijão, Bielorússia, Burkina Faso, China, Cuba, Egito, República do Congo, Tajiquistão, Venezuela, Vietnã, Zimbábue, Armênia, Eslováquia, Guiné-Bissau, Mongólia, Quirguistão, Sérvia e Palestina. A presença brasileira em Moscou, ao lado dos chefes desses países, que questionam o Ocidente e a ordem liberal, pode ampliar os obstáculos ao já difícil diálogo com os Estados Unidos desde o retorno de Donald Trump à Casa Branca.
Embora Rússia e China sejam mercados importantes para a economia brasileira, a presença de Lula ao lado de chefes de Estado de países não alinhados ao Ocidente cria uma contradição com o princípio de não alinhamento da política externa brasileira. Na Rússia, Lula abordou publicamente temas polêmicos. Criticou o tarifaço de Trump em encontro com o presidente da Rússia, Vladimir Putin, e afirmou que as decisões anunciadas por Trump “jogam por terra” a ideia do livre comércio, o fortalecimento do multilateralismo e, muitas vezes, o respeito à soberania dos países. Lula prometeu “estreitar e refazer com mais força” a parceria estratégica entre Brasil e Rússia.
Lula, ao participar de uma comemoração em que Putin busca enaltecer o patriotismo e reforçar sua posição de liderança alternativa para o Ocidente, em meio à guerra com a Ucrânia, traz também obstáculos à pretensão do Brasil de mediar uma solução para esse conflito. Além disso, as declarações de Lula simpáticas à Rússia podem ser interpretadas como uma posição do país em favor dos russos em um conflito que envolve não apenas a Ucrânia, mas também a Organização do Tratado do Atlântico Norte (Otan). Mesmo que Lula tenha reafirmado sua posição em favor da paz e do fim do conflito, a aproximação com Putin o afasta do presidente da Ucrânia, Voladymyr Zelensky. Como Putin é defensor de uma nova ordem global marcada pela multipolaridade, em contraposição à hegemonia norte-americana, o Brasil pode estar indicando maior afinidade com os questionadores do Ocidente.
A Rússia, por óbvio, tem interesse no diálogo com o Brasil, dentro do objetivo de demonstrar que dialoga com os países do chamado Sul-Global. Em um mundo marcado pela instabilidade, o Brasil realizou um movimento geopolítico em direção ao eixo Rússia-China, alinhando-se na crítica à guerra comercial iniciada por Trump. Nesse cenário geopolítico, marcado por transformações no eixo do poder – com a hegemonia norte-americana sendo questionada, enquanto Rússia e China ganham mais peso global – o movimento do Brasil é, no mínimo, uma aposta arriscada.