Na última semana, com o início do julgamento do ex-presidente Jair Bolsonaro (PL) no Supremo Tribunal Federal (STF), a Câmara dos Deputados voltou a discutir a possibilidade de votação de uma anistia aos presos pelos atos de 8 de janeiro de 2023. Entretanto, o processo de articulação pela aprovação e o processo legislativo de tramitação da proposta não devem ser resolvidos tão rapidamente quanto a oposição deseja.
Primeiramente, uma eventual anistia seria concedida via projeto de lei. Vale ressaltar que há um projeto pronto para ser deliberado em plenário, de autoria do Major Vitor Hugo (PL-GO), o PL nº 2.858/22, mas a apresentação de um novo texto não está descartada. A partir daí, dois caminhos podem ser seguidos.
O primeiro caminho: caso o texto com urgência já aprovada seja aproveitado, um relator será designado para que se promovam as alterações acordadas. O projeto deve ser submetido ao plenário e obter, no mínimo, 257 votos favoráveis para ser aprovado.
O segundo caminho: apresentar uma nova proposta de anistia. A oposição já pede uma anistia mais ampla e irrestrita, considerando o período desde 2019, sem renunciar à inclusão do ex-presidente entre os beneficiados. Assim, o novo texto poderia ou ser apensado ao PL nº 2.858/22, ou seguir o caminho mais lento de passar por comissões específicas, ser aprovado nesses colegiados e aí, sim, ser discutido em plenário.
Concluído o processo na Câmara, a oposição terá pela frente um caminho ainda mais difícil no Senado, já que o presidente da Casa é mais resistente ao projeto. Caso o texto chegue à Casa Alta, existe a possibilidade de tramitação acelerada, sendo deliberado em poucas comissões e, em seguida, no plenário. Ou mais morosa, com o texto sendo retido pelas comissões presididas por senadores contrários à proposta, caso da Comissão de Constituição, Justiça e Cidadania (CCJ).
Ocorre que, mesmo na melhor das hipóteses de ser aprovado nas duas Casas, a maior probabilidade é que o presidente Lula (PT) promova veto ao texto, ou em alguns trechos. Assim, o veto teria de ser deliberado pelo Congresso, em sessão conjunta a ser marcada pelo presidente Davi Alcolumbre (União-AP). Há ainda a possibilidade de judicialização, com acionamento do STF para questionar a constitucionalidade da medida. Assim, o projeto pode ser derrubado por medida cautelar até a deliberação do tema pelos ministros da Corte.
Por outro lado, a oposição ainda tem a parte da articulação, já que não é fácil convencer o número necessário de deputados a se comprometer com uma pauta que ainda divide o eleitorado. O líder do PL na Câmara, deputado Sóstenes Cavalcante (PL-RJ), se reuniu com o presidente da Casa, deputado Hugo Motta (Republicanos-PB), para tratar do tema. Sóstenes afirmou que o presidente vai pautar o projeto de anistia aos presos do 8 de janeiro, mas ainda não há data para a votação. Na ocasião, Sóstenes disse que se reunirá com outros líderes de centro na semana que vem para fazer um mapeamento dos partidos que apoiariam a proposta. O relator também seria um nome do centro. A ideia é que o líder do PL faça já a contagem de possíveis votos favoráveis e de quantos parlamentares teriam de ser convencidos. O tema só deve começar a ter andamento após o fim do julgamento do ex-presidente, previsto para o dia 12 de setembro.
Já o caminho de articulação no Senado parece não ter avançado tanto. Segundo Sóstenes, Davi Alcolumbre comprometeu-se com os senadores da oposição a pautar o tema da anistia na época da ocupação do plenário da Casa, em agosto. Entretanto, segundo apuração da Arko com parlamentares próximos a Alcolumbre, nenhum deles foi informado sobre a participação do presidente no suposto acordo feito na Câmara de votar a anistia em troca da desocupação do plenário.
Na última semana, Alcolumbre afirmou que vai elaborar um texto alternativo para apresentar, mas indicou que não votará projetos que deem anistia geral e irrestrita. A ideia é restringir os beneficiados pela lei, deixando de fora os arquitetos da tentativa de golpe e seus financiadores. O ex-presidente Jair Bolsonaro (PL), julgado como chefe da organização criminosa, não seria, portanto, contemplado. Os outros sete réus do chamado “núcleo crucial” também não seriam atingidos por essa “anistia alternativa”.
Já a proposta da oposição na Câmara, segundo uma possível minuta do projeto à qual a Arko teve acesso, refere-se à anistia daqueles que, desde 2019, estão sendo investigados ou foram condenados pelos seguintes crimes: ofensa ou ataque a instituições públicas ou seus integrantes; descrédito ao processo eleitoral ou aos Poderes da República; reforço à polarização política; e geração de animosidade na sociedade brasileira. Em relação a essas condutas, o texto menciona que os que prestaram apoio administrativo, logístico ou financeiro também seriam anistiados. Inquéritos abertos seriam arquivados. Danos contra o patrimônio da União, apologia ao crime, organização ou associação criminosa e constituição de milícia privada também receberiam o perdão político.
É nítida a mudança de estratégia da oposição, que deixou o enfretamento visto no reinício dos trabalhos do segundo semestre e agora busca uma conciliação em torno da anistia. Sobre a inelegibilidade do ex-presidente, a oposição contará com a presidência do ministro Nunes Marques à frente do Tribunal Superior Eleitoral (TSE) em 2026 para tentar habilitar Bolsonaro a concorrer no próximo pleito. Um personagem que pode ajudar nessa empreitada é o governador de São Paulo, Tarcísio de Freitas (Republicanos), que, além de conquistar o eleitorado bolsonarista, se coloca como a figura conciliadora tão buscada pelo Centrão.