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Análise: A política Seinfeldiana de Donald Trump

Assim como o seriado Seinfeld, Donald Trump usa o cotidiano para manter sua base engajada

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O presidente americano parece tocar seu governo em duas frentes. A que mais nos chama atenção aqui no Brasil, por razões óbvias, é a do comércio exterior. Trump acredita que tarifas são o instrumento geopolítico mais eficaz à sua disposição. Em seu segundo mandato dobrou a aposta nesta estratégia e já atingiu mais de 180 países com tarifas genéricas, tarifas recíprocas e tarifas inexplicáveis.

A segunda frente de atuação é voltada à política doméstica e busca manter sua base engajada. É a política da cultura pop, uma estratégia que considero Seinfeldiana.

Em 1989 o canal de televisão americano NBC estreou o seriado Seinfeld. Escrito e produzido pelos comediantes Larry David e Jerry Seinfeld, o conceito do seriado era fazer um programa sobre “nada”, um programa que focaria nas pequenas minúcias do nosso dia-a-dia. O foco nos pequenos detalhes da vida cotidiana permitiu que milhares de telespectadores pudessem se identificar com os temas apresentados nos roteiros, fazendo Seinfeld se tornar um dos seriados mais bem sucedidos de todos os tempos.

Transformando o cotidiano em política

Trump, similarmente ao seriado, usa o cotidiano para manter sua base engajada. Por exemplo, no dia 16 de julho de 2025, Trump publicou em sua rede social que havia conversado com a Coca-Cola e que a empresa teria concordado em substituir o xarope de milho, usado para adoçar o refrigerante nos Estados Unidos, pela cana-de-açúcar, utilizada em outros países (incluindo o México e o Brasil) onde o xarope de milho é proibido. Na cultura popular americana, é consenso que a Coca-Cola mexicana é mais saborosa que a americana. Tanto é que muitas lojas de conveniência vendem Coca-Cola mexicana importada, mesmo sendo consideravelmente mais cara que a americana. É o tipo de assunto que poderia ser mencionado em um episódio de Seinfeld.

Outro exemplo da atuação de Trump no âmbito da cultura pop literalmente já apareceu em um episódio do programa. Em “The Shower Head”, episódio da sétima temporada, os moradores do prédio de Jerry Seinfeld, includindo o seu vizinho Cosmo Kramer, sofrem após a instalação de chuveiros de baixa pressão. Kramer e Seinfeld ficam furiosos com estas duchas ecológicas e Kramer acaba comprando chuveiros contrabandeados da Iugoslávia para solucionar o problema.

Possivelmente após rever este episódio, Trump, no dia 10 de abril de 2025, ordenou que o Secretário de Energia rescindisse medidas implementadas pelo governo Obama que restringiam chuveiros que liberassem mais de 2,5 galões de água por minuto. Referindo-se a esta medida, a Casa Branca afirmou que Trump queria “Make America’s Showers Great Again”.

Trump foca em temas que podem, com facilidade, ser discutidos em uma mesa de jantar de qualquer família americana. Guerras tarifárias e sanções geopolíticas são temas mais desafiadores do que o nível de pressão da água do chuveiro. Existem outros exemplos. Trump anunciou que vai erradicar a moeda de um centavo, o penny. Ele liberou os arquivos confidenciais sobre os assassinatos de John F. Kennedy e Martin Luther King. Ele anunciou que reabriria a prisão de Alcatraz, fechada desde 1963, e cenário do filme de 1996 A Rocha, com Sean Connery e Nicolas Cage.

Os temas citados acima são os chamados temas do cidadão comum. Qualquer pessoa pode compreender e ter interesse em discuti-los. Não há qualquer reticência em discutir se canudos de plástico são melhores que canudos de papel (Trump baniu o uso federal de canudos de papel em fevereiro). Há, porém, um tema sobre o qual a base de Trump, a base MAGA, continua manifestando interesse não correspondido pelo presidente-eleito: Epstein.

Durante a campanha, Trump prometeu publicar a lista de clientes de Jeffrey Epstein e documentos relacionados e desde então seus apoiadores aguardam a exposição da rede internacional criminosa liderada por Jeffrey Epstein. Mas Trump e a Casa Branca se distanciam do tema e tentam redirecionar a atenção da base MAGA para temas já explorados na campanha, como os e-mails da Hillary. Os temas Seinfeldianos são, claramente, parte desta estratégia. Trump espera que os eleitores conversem sobre a pressão da água do chuveiro e a nomenclatura utilizada pelo time de futebol americano de Washington (Redskins vs. Commanders) e deixem de falar sobre Epstein, a condução do governo e a economia.

Autor

  • Sócio-Diretor da Arko Advice e cofundador da Nomos, Michael López Stewart é formado em Ciência Política e Literatura Comparada pela University of Pennsylvania. Foi editor e colunista do Sound Politicks Journal of Political Science.

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