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Análise: A Operação Guacamaya e seus impactos na diplomacia sul-americana

O pragmatismo da diplomacia brasileira tende a ser cada vez mais desafiado, em um ambiente de desconfiança e incerteza

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A madrugada do dia 6 de maio de 2025 marcou o desfecho de um impasse diplomático que durava nove meses. Em uma ação coordenada e envolta em sigilo, cinco opositores do regime de Nicolás Maduro conseguiram deixar a embaixada da Argentina em Caracas, onde estavam asilados desde agosto de 2024. O episódio, batizado de Operação Guacamaya, reacendeu o debate sobre os limites do asilo diplomático, a hostilidade do regime venezuelano com dissidentes e o papel das democracias latino-americanas diante de regimes autoritários.

Os cinco opositores — dirigentes da oposição venezuelana ligados à candidatura de Maria Corina Machado — buscaram refúgio na embaixada argentina após serem perseguidos pelo governo de Maduro sob acusações de conspiração. O pedido de asilo foi reconhecido pelo governo argentino ainda sob a presidência de Alberto Fernández. No entanto, a deterioração das relações entre Caracas e Buenos Aires culminou na expulsão de diplomatas argentinos da Venezuela, deixando os asilados sob risco e sob a proteção simbólica do Estado argentino.

Diante do vácuo diplomático, o Brasil — por meio de sua embaixada — assumiu a custódia temporária da sede argentina em Caracas, de maneira informal, mas reconhecida internacionalmente. Durante meses, o governo brasileiro fez gestões diplomáticas pedindo salvo-conduto para os asilados deixarem o país com segurança, conforme prevê a Convenção de Caracas sobre Asilo Diplomático. Todas as solicitações foram ignoradas pelo regime chavista.

Embora os detalhes logísticos ainda não tenham sido oficialmente confirmados, fontes diplomáticas revelaram que a operação contou com apoio da diplomacia argentina, possivelmente com a colaboração de redes discretas de apoio humanitário e político dentro da Venezuela. Os cinco dissidentes foram retirados da embaixada da Argentina de madrugada e saíram do país em um voo charter para chegar aos Estados Unidos.

Segundo reportagens do Clarín e do New York Times, a operação também teve apoio logístico e de inteligência do governo dos Estados Unidos, que teria fornecido informações cruciais para o deslocamento seguro dos opositores. A ação contou com a participação de agentes de inteligência e diplomatas norte-americanos lotados em Bogotá, que monitoraram os movimentos das forças de segurança venezuelanas e coordenaram contatos no país.

A ação foi planejada com alto grau de discrição para evitar qualquer confronto com forças de segurança venezuelanas, que mantinham vigilância ostensiva nas imediações da embaixada. A operação lembrou estratégias típicas da Guerra Fria, com o uso de rotas alternativas, contatos locais e o respaldo de governos aliados.

O governo de Javier Milei celebrou o sucesso da operação como uma vitória da liberdade sobre o autoritarismo. Em nota oficial, o Ministério das Relações Exteriores da Argentina afirmou que “a diplomacia deve proteger vidas e princípios, mesmo diante da omissão de regimes que ignoram os tratados internacionais”.

O Itamaraty também se manifestou, informando que tomou conhecimento da saída dos opositores na noite do dia 6 de maio e reiterando que o governo brasileiro atuou dentro dos limites do direito internacional, sempre com o objetivo de preservar a vida e a dignidade dos asilados. A nota diplomática evitou fazer críticas ao governo Maduro.

Já o regime venezuelano manteve silêncio por dias. Quando finalmente se pronunciou, classificou o episódio como uma “violação da soberania nacional” e acusou Argentina, Brasil e Estados Unidos de “conluio intervencionista”.

A Operação Guacamaya expôs a fragilidade dos mecanismos regionais de proteção aos direitos humanos diante de regimes autoritários. Também evidenciou a complexidade de manter a tradição latino-americana de asilo diplomático quando há recusa sistemática ao salvo-conduto.

Do ponto de vista regional, o episódio sinaliza um reposicionamento do eixo Argentina-EUA diante da crise venezuelana, com efeitos ainda incertos sobre organismos multilaterais como a CELAC e a UNASUL. Além disso, atuação norte-americana confirma o interesse estratégico dos EUA na América Latina para enfraquecer regimes alinhados à Rússia, Irã e China. O pragmatismo da diplomacia brasileira tende a ser cada vez mais desafiado, em um ambiente de desconfiança e incerteza.

Autor

  • Daniel Tavares: Coronel (reserva) do Exército Brasileiro, analista militar na Arko Advice. Formado na Academia Militar das Agulhas Negras e mestre em Ciências Militares com especialização em Política, Estratégia e Alta Administração. Experiência no Gabinete do Comandante do Exército, chefiou a Divisão de Inteligência do Centro de Inteligência do Exército. Também atuou como analista de informações na Missão das Nações Unidas no Haiti e comandou o 10º Batalhão de Infantaria Leve (Montanha) em Juiz de Fora, MG.

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