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Análise: A Nova Indústria Brasil e seus impactos na Base Industrial de Defesa

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No início de 2024, o governo federal brasileiro lançou a “Nova Indústria Brasil” (NIB), uma ambiciosa política industrial que busca reposicionar o país como protagonista no cenário econômico global até 2033. Entre suas seis missões estratégicas, destaca-se a Missão 6, voltada ao fortalecimento das tecnologias estratégicas para a soberania e defesa nacionais. Com investimentos anunciados de R$ 112,9 bilhões até fevereiro de 2025, sendo R$ 79,8 bilhões de recursos públicos e R$ 33,1 bilhões do setor privado, a NIB promete revolucionar a Base Industrial de Defesa (BID) brasileira, um setor crucial para a segurança nacional e o desenvolvimento econômico. Contudo, a recente mudança de postura do governo dos EUA quanto ao financiamento da defesa da Ucrânia, especialmente sob a administração de Donald Trump em 2025, introduz variáveis que podem alterar esse cenário, afetando tanto o mercado global de defesa quanto a indústria brasileira.

O que é a Nova Indústria Brasil?

A NIB é uma política estruturada para reverter décadas de desindustrialização no Brasil, promovendo inovação, sustentabilidade e competitividade. Lançada em 22 de janeiro de 2024 pelo presidente Luiz Inácio Lula da Silva e coordenada pelo vice-presidente e ministro do Desenvolvimento, Indústria, Comércio e Serviços, Geraldo Alckmin, ela abrange áreas como agroindústria, saúde, infraestrutura, transformação digital, bioeconomia e defesa. No total, a iniciativa mobiliza R$ 3,4 trilhões em investimentos públicos e privados, com R$ 506,7 bilhões alocados até 2026 via o Plano Mais Produção, executado por instituições como BNDES, Finep e EMBRAPII.

A Missão 6, especificamente, foca na autonomia tecnológica em áreas críticas para a defesa, como radares, satélites, veículos lançadores, sistemas de propulsão e tecnologias nucleares. Suas metas são claras: alcançar 55% de domínio dessas tecnologias até 2026 e 75% até 2033, partindo de um patamar atual de 42,7%. Esse avanço é visto como essencial para reduzir a dependência externa e consolidar a soberania nacional.

A Base Industrial de Defesa no contexto da NIB

A Base Industrial de Defesa (BID) é o conjunto de empresas públicas e privadas que pesquisam, desenvolvem, produzem e mantêm produtos e serviços estratégicos para as Forças Armadas. Historicamente, o Brasil já foi o oitavo maior exportador mundial de produtos de defesa nos anos 1980, mas perdeu terreno nas últimas décadas devido à falta de investimentos consistentes. Hoje, o setor responde por cerca de 3,58% do PIB e gera 2,9 milhões de empregos diretos e indiretos, segundo o Ministério da Defesa.

A NIB injeta novo fôlego na BID ao priorizar o desenvolvimento de tecnologias duais — com aplicações militares e civis — e ao fomentar parcerias entre governo, academia e setor privado. Projetos como o caça Gripen, o cargueiro KC-390, fragatas da Marinha e o reator multipropósito brasileiro estão entre os beneficiados pelos R$ 31,4 bilhões do PAC Defesa, parte dos recursos públicos da Missão 6. Além disso, a Finep aportou R$ 4,2 bilhões em iniciativas como o foguete para veículos hipersônicos, com mais R$ 331 milhões previstos.

Impactos econômicos e estratégicos

Os impactos da NIB na BID vão além da esfera militar. Economicamente, cada real investido em defesa gera um efeito multiplicador de quase dez vezes no PIB, conforme apontou Luiz Teixeira, presidente da Associação Brasileira das Indústrias de Materiais de Defesa e Segurança (ABIMDE). Em 2024, as exportações de produtos de defesa atingiram US$ 1,8 bilhão, um aumento de 22% em relação a 2023, que já havia crescido 123% sobre 2022. Esse desempenho reflete a crescente competitividade da indústria brasileira, impulsionada por empresas como a Embraer, que planeja investir R$ 20 bilhões até 2030.
Estrategicamente, a NIB fortalece a autonomia tecnológica, reduzindo a vulnerabilidade do Brasil em cenários de crise internacional. O domínio de tecnologias críticas — como sistemas de sensoriamento e comunicação — é vital para a proteção do território, especialmente em regiões como a Amazônia e o pré-sal. Além disso, o programa alinha-se à Estratégia Nacional de Defesa, que desde 2008 destaca os setores espacial, cibernético e nuclear como prioridades.

O impacto da mudança de postura dos EUA e o mercado global de defesa

A eleição de Donald Trump em 2024 e sua posse em janeiro de 2025 trouxeram uma reviravolta no apoio militar dos EUA à Ucrânia, com sinais de redução ou condicionamento da ajuda financeira e militar que somou mais de US$ 175 bilhões desde 2022. Trump, que prometeu encerrar rapidamente o conflito, condicionou o financiamento americano à exploração de terras raras ucranianas por empresas dos EUA, uma proposta rejeitada por Kiev devido à falta de garantias de segurança. Essa mudança, consolidada em negociações diretas com a Rússia em fevereiro de 2025, pode levar a um cessar-fogo que exclui a Ucrânia das decisões, enfraquecendo sua posição militar.

No mercado global de defesa, essa postura americana tem implicações profundas. A redução do apoio dos EUA à Ucrânia pode diminuir a demanda por armamentos americanos, pressionando gigantes como Lockheed Martin e Raytheon, que viram seus valores de mercado saltarem após o início da guerra em 2022. Simultaneamente, abre espaço para outros players, como Rússia, China e países europeus, que buscam suprir o vácuo deixado pelos EUA. A Europa, temendo o enfraquecimento da OTAN, já sinaliza aumentos nos orçamentos de defesa, o que pode beneficiar suas indústrias locais, como a francesa Dassault e a sueca Saab.

Para a indústria brasileira de defesa, os efeitos são ambivalentes. Por um lado, a retração americana pode criar oportunidades de exportação, especialmente para países que buscam alternativas aos fornecedores tradicionais. O KC-390 da Embraer, por exemplo, já atraiu interesse de nações como Portugal e Hungria, e a NIB pode acelerar sua produção para atender a essa demanda crescente. Por outro lado, a instabilidade no mercado global e a possível realocação de recursos europeus para a própria defesa do continente podem limitar parcerias estratégicas com o Brasil, como as previstas no programa Gripen com a Saab. Além disso, a dependência brasileira de componentes importados para tecnologias críticas pode ser um gargalo em um cenário de competição acirrada por suprimentos.

Desafios e perspectivas

Apesar do otimismo, a NIB enfrenta desafios internos e externos. A continuidade dos investimentos depende de estabilidade política e fiscal, algo nem sempre garantido no Brasil. A baixa participação inicial de empresas privadas no evento de um ano da NIB, em fevereiro de 2025, sinaliza certa desconfiança do setor industrial, possivelmente devido à percepção de intervencionismo estatal ou à incerteza sobre a execução de longo prazo. Outro ponto é a necessidade de capacitação de mão de obra qualificada para acompanhar o ritmo da inovação tecnológica.

No contexto global, a mudança de postura dos EUA reforça a urgência de o Brasil diversificar seus mercados e reduzir a dependência de parceiros tradicionais. A NIB pode ser uma ferramenta para isso, mas exigirá agilidade para capturar oportunidades em um mercado de defesa em transformação. Ainda assim, as perspectivas são promissoras. A integração da BID ao desenvolvimento econômico, como previsto no Livro Branco de Defesa Nacional de 2012, ganha concretude com a NIB, e o cenário internacional pode ser um catalisador para essa ambição.

A “Nova Indústria Brasil”, com sua Missão 6, representa um marco na revitalização da Base Industrial de Defesa brasileira. Ao combinar investimentos robustos, metas ambiciosas e uma visão estratégica, o programa tem o potencial de transformar o Brasil em uma potência industrial e tecnológica no setor de defesa. A mudança de postura dos EUA quanto ao financiamento da Ucrânia adiciona complexidade a esse quadro, trazendo tanto desafios quanto oportunidades para a indústria brasileira. Se bem-sucedida, a NIB não apenas fortalecerá a segurança nacional, mas também consolidará o Brasil como um ator relevante no mercado global de defesa, aproveitando as brechas deixadas pelas potências tradicionais para projetar sua influência econômica e tecnológica.

Autor

  • Daniel Tavares: Coronel (reserva) do Exército Brasileiro, analista militar na Arko Advice. Formado na Academia Militar das Agulhas Negras e mestre em Ciências Militares com especialização em Política, Estratégia e Alta Administração. Experiência no Gabinete do Comandante do Exército, chefiou a Divisão de Inteligência do Centro de Inteligência do Exército. Também atuou como analista de informações na Missão das Nações Unidas no Haiti e comandou o 10º Batalhão de Infantaria Leve (Montanha) em Juiz de Fora, MG.

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