A carta que Donald Trump enviou ao presidente Lula pode parecer, à primeira vista, uma manifestação política em defesa de aliados e bandeiras caras ao ex-presidente americano. Mas quando lida com atenção, revela intenções mais estratégicas e, por que não dizer, bastante pragmáticas.
Trump toca em três pontos. Dois deles são juridicamente sensíveis e, curiosamente, totalmente fora do alcance do presidente Lula (PT). O primeiro é sobre o processo contra Jair Bolsonaro. O segundo, sobre as ações do STF e de Alexandre de Moraes contra as Big Techs. Em ambos os casos, assessores próximos de Trump sabem que Lula não tem poder para interferir. O Judiciário brasileiro é independente e qualquer tentativa de ingerência seria não apenas ineficaz como politicamente desastrosa. Ou seja, Trump sabe que esses dois pedidos são impossíveis de atender.
Mas aí vem o terceiro ponto, e é nele que está o verdadeiro objetivo da carta. Trump quer que o Brasil elimine tarifas aplicadas contra produtos dos Estados Unidos. Alega que se trata de uma prática injusta, apesar do superávit comercial brasileiro. Essa é a parte que interessa de verdade.
Retirar tarifas é algo que o Executivo brasileiro pode fazer, se quiser negociar. E se fizer, Trump esquecerá rapidamente os dois primeiros tópicos da carta. Porque, no fundo, eles cumprem apenas um papel político: agradar dois grupos importantes para sua base, os defensores do Bolsonaro e os representantes das Big Techs que querem ver suas operações no Brasil menos reguladas.
Ou seja, a carta é, na prática, uma manobra com três objetivos. Dois são barulhentos e inócuos, o terceiro, silencioso e eficaz. É a velha fórmula Trump, criar ruído para abrir espaço de barganha. A roupagem é nova, mas o conteúdo é o mesmo.
Contexto geopolítico
Há também um pano de fundo geopolítico que ajuda a dar contexto, mas não explica por completo a iniciativa. A questão dos BRICS funciona mais como um motivador do que como uma razão central. O grupo é composto por países com posições muito distintas em relação aos Estados Unidos. A China, principal força do bloco, é hoje o maior rival estratégico de Washington. A Rússia vive uma relação ambígua, com tensões e momentos de diálogo. A Arábia Saudita é aliada formal dos EUA. O Irã foi recentemente bombardeado por forças americanas. E a Índia é o grande objeto de sedução da política externa norte-americana no atual contexto de competição global.
Nesse cenário, o Brasil aparece como um membro periférico, mas simbólico. As falas recentes do presidente Lula sobre o BRICS, a nova governança global e críticas indiretas aos EUA ajudaram a colocar seu nome mais rapidamente no radar de Trump. Provocaram um senso de urgência que talvez não existisse há algumas semanas. Se não fosse por isso, talvez a carta nem tivesse sido enviada ou demorasse a surgir.
Mas como Trump não menciona o BRICS em nenhum momento da carta, fica claro que o tema não é o coração da questão. Funcionou como catalisador, mas não como motor. O que move Trump, como sempre, é comércio. E o que ele quer, de verdade, é ver as tarifas brasileiras contra produtos americanos sendo derrubadas.
Agora, cabe ao governo brasileiro escolher o caminho. Pode negociar nos bastidores, com pragmatismo. Ou pode adotar um tom mais duro e público, entrando no jogo geopolítico com resposta à altura. Ambas as estratégias têm seus riscos e suas vantagens, mas o mais importante é entender que, dessa vez, o jogo é comercial, não judicial. E Trump deixou isso bem claro, ainda que camuflado numa carta carregada de retórica.